A semiótica plástica de interiores: a experiência vivenciada nos espaços culturais.
Autora
Maria Claudia Vidal Barcelos
Resumo
A experiência vivenciada em espaços comerciais tem sido bastante propagada nos estudos em design de interiores. Criar composições que façam sentido para aqueles que usufruem os espaços, promove a articulação entre metodologias diversas e outras ciências, ampliando a área de atuação do designer de interiores. O artigo defende ser possível integrar a semiótica plástica no campo do design de interiores como potente ferramenta metodológica a partir de mecanismos articulados entre si que constroem o sentido. Prova-se assim, que o encontro entre as dimensões estéticas e estésicas tornam os espaços culturais mais significativos para aqueles que irão vivenciá-lo.
Palavras chaves: semiótica plástica; design de interiores; espaços culturais; sentidos
Abstract
The experience lived in commercial spaces has been widely propagated in interior design studies. Creating compositions that make sense for those who enjoy the space promotes the articulation between different methodologies and other sciences, expanding the interior designer’s field of activity. The article argues that it is possible to integrate plastic semiotics in the field of interior design as a powerful methodological tool based on articulated mechanisms that build senses. It is proved that the encounter between aesthetic and aesthetic dimensions makes cultural spaces more significant for those who will experience them.
Keywords: plastic semiotics; interior designer; cultural spaces; senses
1. A experiência e o design de interiores:
A experiência vivenciada nos espaços comerciais tem sido cada vez mais propagada nos estudos em design de interiores. Propor uma ambientação de modo que faça sentido àqueles que usufruem o lugar, é estar no âmbito da apreensão das qualidades sensíveis integradas ao espaço projetado. No imbricamento entre a experiência e a arte de compor ambientes, a busca de novos conhecimentos promove a articulação entre metodologias diversas e outras ciências, reforçando a necessária reflexão sobre os modos de atuar do designer de interiores nos espaços ocupados.
Ao escrever sobre a busca do sentido do espaço projetado, Teixeira Coelho Netto parte de algumas definições sobre arquitetura e propõe descrevê-la como “arte de organizar o espaço…” (1979, p. 19) e segue complementando que, organizar também é criar. Temos, pois, a organização e a criação como pilares do projeto arquitetônico que de igual modo são processados na arte do design de interiores. “Ao se criar algo, sempre se ordena e se configura”, nos lembra Fayga Ostrower (1996, p. 5), e sabemos que a configuração harmônica realiza-se na ambientação por um encadeamento de escolhas feitas pelo designer de interiores, cujo ato da criação depende de uma estruturação previamente planejada.
Propor ambientes para os espaços culturais requer do designer um trabalho criativo e estruturado, alinhado com a identidade institucional e integrado com outras disciplinas, tais como a expografia[1] que, tratada por especialistas, está ligada à ambientação e a tudo que envolve o entorno do local. Com objetivos específicos, os espaços culturais são pensados e, muitas vezes, requalificados a partir de edificações antigas e requer atenção na proposição de uma ambiência que transmita valores institucionais ao visitante. Também, tem sido cada vez mais usual que a experiência vivenciada nesses espaços seja de modo único. Conjugar a preexistência da construção e o interior trabalhado à experiência dos usuários em espaços específicos, deve ser pensado no projeto pelo designer, conforme validam Brooker e Stone quando afirmam que o design “pode gerar significados e, também dar o valor” (2014, p. 8), o que significa admitir que um determinado lugar está condicionado para além da sua estética.
Eric Landowski escreve sobre modos possíveis de nos relacionarmos com um ambiente e propõe que possamos percorrê-lo “apreendendo-o como um continuum percorrido de intensidades diversas e modulado segundo qualidades sensíveis variadas que fazem sentido” (2017, p. 195). Temos, pois, um alicerce de que a composição planejada em consonância com as particularidades do espaço e do entorno sejam capazes de promover um todo de sentido que pode ser apreendido por aqueles que usufruem o lugar. É esperado, então, que o designer de interiores possa atuar em espaços culturais com propriedade e seja capaz de integrar os conhecimentos teóricos e técnicos com os processos criativos para que o ambiente projetado seja também capaz de provocar sensações e produzir sentidos integrados aos valores da instituição.
[1] O termo foi proposto em 1993, para complementar o termo museografia para designar a colocação em exposição e aquilo que diz respeito a ambientação, assim como o que está ao seu redor. https://criticaexpografica.wordpress.com/2019/07/23/qual-a-diferenca-entre-expografia-e-museografia/. > acesso em 10/10/2021.
A semiótica enquanto teoria da significação ocupa-se do sentido e, nessa perspectiva, contribui tanto no aperfeiçoamento do olhar estético e sensível como também na compreensão do processo que se dá a construção do sentido em qualquer ambiente organizado. Para a teoria, o espaço é definido pelas qualidades sensíveis (visuais, sonoras, térmicas, olfativas) que, em conjunto, manifestam-se como uma realidade significante. Nessas condições, o lugar pode ser compreendido enquanto um objeto semiótico passível de análise que extrapola a leitura de formas e traços codificados reconhecidos de imediato, e passa a ser então, um espaço que se promove pela e na construção da apreensão dos sentidos articulada por mecanismos próprios.
A semiótica plástica desempenha importante papel nessa construção por meio das categorias que, articuladas entre si, podem atribuir aos espaços culturais significados outros. Os modos pelos quais se ordena e configura categorias topológicas em relação às categorias cromáticas, ou categorias matéricas com as eidéticas, por exemplo, cria-se um efeito de sentido pontual e, por vezes, necessário para que a apreensão na experiência seja vivida.
No engajamento de ampliar a área de atuação do designer, e também propor novas abordagens teóricas e práticas, o artigo explora a experiência vivenciada nesses espaços culturais pela abordagem da semiótica plástica como processo metodológico para o design de interiores.
2. Atributos de semiótica plástica
Sabe-se que a percepção tem seu papel na apreensão da significação conforme Merleau-Ponty bem apontou em suas proposições ao tratar da fenomenologia. Ao retomá-las, o semioticista A.J. Greimas avançou ainda mais os estudos sobre o sentido e explorou experiências estéticas e estésicas propondo assim, um novo olhar para além da descrição de objetos significantes.
A última obra de Greimas, D’Imperfeição (1987), convoca o leitor a uma reflexão sobre “o mundo sensível como campo de observação e de análise para a reconstrução do sentido experimentado” (LANDOWSKI, 2002, p.101). A partir dela, foi aprofundado o conceito de estesia entendido como “o processamento do corpo que sente as qualidades que sobre ele opera impressivamente” (OLIVEIRA, 2010, p.5) abrindo caminhos para explorar por meio das qualidades sensíveis manifestas no ambiente, as emoções e os sentidos que são apreendidos pelos usuários de um dado espaço.
A partir da sólida base sobre os estudos da significação, um grupo de colaboradores, tais como Jean-Marie Floch, Felix Thurlemann, Ana Claudia de Oliveira, entre outros, incentivados por Greimas, propuseram discussões direcionadas para os textos visuais, resultando na produção de artigos que vieram consolidar a semiótica plástica[1]. A escolha de uma semiótica “plástica” justifica-se pela necessidade que surgiu na época, em entender melhor o plano da expressão das manifestações visuais, como bem explica Ana Claudia de Oliveira,
Entendemos que o adjetivo “plástica” pode abranger o estudo do plano da expressão das manifestações visuais mais distintas, quer artísticas, quer midiáticas, quer do mundo natural. Considerando que um texto visual, qualquer que esse seja: arquitetura, escultura, paisagem natural ou pintada, desenhada, gravada, fotografia, é construído por um arranjo específico de sua plástica, organizada por mecanismos estruturais particulares de seu sistema com suas regras, resultando em uma dada sintagmatização das unidades mínimas; optamos por denominar plástica a semiótica que se ocupa da descrição do arranjo de expressão de todo e qualquer texto visual”. (OLIVEIRA, 2004, p.12)
Como apontado na citação, a noção de texto visual é ampla e indica ser possível analisar os mais variados tipos de objetos. De fato, por meio da semiótica plástica, a investigação de lugares, espaços urbanos, públicos e privados tem sido cada vez mais explorada, ampliando a área de atuação e contribuição dos semioticistas e o intercâmbio de saberes com outras disciplinas.
Embora nos primórdios da semiótica estrutural a análise centrava na organização apenas do texto escrito por critérios específicos da sua estruturação, a teoria avançou colocando à prova a investigação de outros objetos também passíveis de serem analisados, descritos e compreendidos enquanto uma manifestação textual. Tal conceito é sustentado pela raiz etimológica da palavra “texto” que vem do latim do verbo “tecer”. Segundo o linguista José Luís Fiorin exemplifica, por analogia, uma manifestação deve ser percebida como um tecido que, não se faz por fios soltos, mas sim, pela trama dos fios, demonstrando
[2] O termo “semiótica plástica” foi primeiramente empregado por Jean-Marie Floch no seu primeiro livro: Mythologies de l’oeil et de l’espirit. Pour une semiotique plastique, publicado em 1985.
assim, que qualquer objeto pode ser compreendido pela sua estruturação na manifestação[3].
Com esse raciocínio, um ambiente pode ser, então, analisado pela sua estrutura ou mesmo ser proposto para devidos fins com recursos da teoria semiótica, conforme Jean-Marie Floch bem comprovou ao apresentar uma distribuição espacial para um mercado da rede francesa Cofradel. O experimento do semioticista partiu da análise do discurso dos usuários do espaço, ou seja, como eles revelavam o “ir às compras” ou “estar no local” e, balizado pelas estruturas das narrativas permitiu extrair e agrupar quatro valores essenciais. Pelo processo, Floch pode definir modos de fazer compra pela identificação de programas de ação: prático, lúdico, mítico e utópico e por fim traduzi-los em elementos plásticos e aplicá-los no desenho da planta de circulação do mercado[4].
Nesse encaminhamento, em que muitas são as possibilidades de investigação a partir da análise da sua estrutura de modo relacional, defendemos que a semiótica plástica pode atuar como potente ferramenta metodológica que complementa a análise e a criação de espaços culturais atrelada à experiência vivenciada, contribuindo assim, com o design de interiores na descrição, compreensão e apreensão de sentidos de uma ambientação orientada por valores institucionais propostos.
3. Dimensões estéticas e estésicas nos espaços culturais
É certo que o design de interiores e ambientação “se faz” por meio do encontro de diversos elementos, tais como mobiliário, tecidos cores, iluminação, superfícies, objetos decorativos, enfim, tudo aquilo que foi escolhido e orquestrado pelo designer para que a composição seja materializada e faça sentido no espaço que está inserida. A figuratividade, conceito basilar da semiótica plástica, é essencial tanto no processo de criação, como de identificação visto que, por meio dela, a dimensão mais concreta é traduzida em valores dentro do ambiente projetado. Para Greimas o conceito é explicado do seguinte modo,
[3] A explicação completa está no texto “A noção de texto na semiótica” de José Luiz Fiorin, publicado na revista Organon 23. Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. v.9 n. 23. p.163-p.173.
[4] O estudo de Jean-Marie Floch foi feito para a extinta cadeia francesa de supermercado Mammouth. O Estudo completo está no texto: A contribuição da semiótica estrutural para o design de um hipermercado. Galáxia (São Paulo, Online n.27, p. 21-47), jan 2014.
A figuratividade não é uma simples ornamentação das coisas, ela é essa tela do parecer cuja virtude consiste em entreabrir, em deixar entrever, graças, ou por causa da sua imperfeição, como que uma possibilidade além (do) sentido. (2002, p.74)
Muito além da produção de um cenário ordenados por elementos decorativos, os arranjos plásticos são estruturados por suas categorias de base, a saber, topológicas, cromáticas, eidéticas e matéricas que, relacionadas entre si, geram a significação do lugar. Colocar um quadro no plano mais alto de uma escada para que a cada degrau ele se “revele” ao visitante do lugar é, pois, diferente da escolha de colocá-lo em conjunto de outros. A categoria topológica regida por essas escolhas produz efeitos de sentidos distintos que comprovam que evidenciar certos atributos do e no espaço construído em detrimento de outros, vai além da noção de “ter sentido” pelo estético.
Como antes assinalado, o ato de criar e projetar ambientes para espaços revitalizados está vinculado aos valores da instituição cultural e nessa perspectiva o designer deve intervir de modo sensível no planejamento do lugar. Brooker e Stone afirmam que “criar outros usos para edifícios já existentes, incorporar espaços que foram anteriormente construídos com outra finalidade, instiga o designer a aceitar ou editar padrões de existências que já estavam lá” (2014, p. 24). Temos aqui pontuada a questão do tratamento que o designer de interiores deve dar a construção preexistente que provavelmente irá reger os modos dele atuar sobre o espaço. Conforme Maria Hermínia Hernandez afirma, os espaços preexistentes possuem atributos inseridos na temporalidade “que traz as dimensões do passado, presente e futuro, que, em todo caso, coloca o designer em certa atitude de tomada de decisões quanto ao momento da intervenção. (2020, p.105). Nesse sentido, o design proposto à instituição cultural imprime marcas em espaços já valorados por outros atributos que devem estar conectados com a composição planejada enquanto modos de presença.
O sentido é revelado pelos modos de presença, que são orientados pela semiótica plástica. Como exemplo desse agenciamento que compactua com princípios do design de interiores, temos a análise feita por semioticistas nos ambientes da Fundação Casa-Museu Ema Klabin que, ao percorrerem os espaços, descrevem que,
observando a fisicalidade da construção, o arranjo plástico do jardim ao seu entorno, o acervo e seu modo de exibição, bem como a organização da casa pode-se depreender e apreender a presença de uma colecionadora que, mesmo falecida, ainda se faz sentida e vivida. (BOGO; BARCELOS; ALBUQUERQUE, 2014, p. 1)
A narrativa acima mencionada certifica o encontro entre a configuração plástica e as possíveis escolhas do designer de modo sensível, na tomada de decisão em conservar aquilo que permite dar a continuidade do valor do passado e seja assim, reconhecido nos ambientes. A elaboração dos ambientes da Casa-Museu, que tem o intuito de “salvaguardar, estudar e divulgar a coleção, a residência e a memória de Ema Klabin”[1] é ambientada de modo que a composição deixe marcas de modo intencional revelando a circulação dos valores propostos pela instituição. Por meio das configurações plásticas e rítmicas, ou seja, escolhas estratégicas, a presença da colecionadora, antiga proprietária da casa, pode ser sentida a cada passo dos visitantes do espaço dado que todos os elementos postos nos ambientes fazem sentido pelo estésico e não apenas pelo estético.
Outro exemplo em que a análise semiótica plástica é associada ao design de interiores foi realizada no Instituto Moreira Salles Paulista no ano de sua inauguração. A configuração espacial foi planejada de modo que o acesso ao prédio da instituição se desse por uma ampla abertura com a ausência de portas de entrada, no nível da rua em continuidade à calçada da Avenida Paulista. O posicionamento dos bancos instalados ao longo do espaço convida o passante da rua a usufruir o local como se fosse uma praça pública. Também, o uso abundante dos vidros transparentes permite a visualização tanto dos funcionários trabalhando como das estantes com o acervo, revelando assim, os “bastidores” da instituição ao público visitante. Em todas essas indicações, temos escolhas matéricas e topológicas articuladas e integradas na ambiência do lugar, cujo efeito de sentido de proximidade é apreendida como valor assumido da instituição sugerindo não haver limites entre público e privado.
Por essas e outras análises realizadas, verifica-se que a composição criada é capaz de alinhar as dimensões estéticas e estésicas e tornam o espaço construído mais significativos pela experiência vivida que faz sentido. O sentido dos espaços culturais pode assim, ser construído com o auxílio da semiótica plástica no design de interiores ampliando o conhecimento e a área de atuação do designer.
Mini Biografia
Maria Claudia Vidal Barcelos, designer de interiores pela Escola Panamericana de Artes do Estado de São Paulo – SP e doutoranda em Artes Visuais na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Referências Bibliográficas:
[5] Disponível em > https://emaklabin.org.br/sobre
ALBUQUERQUE, Mariana Ferraz et al. Museu para quê? Práticas de sociabilidade e variedade de usos dos museus paulistanos. In: OLIVEIRA, A. C. de (Org.) São Paulo e Roma: práticas de vida e de sentido. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017. p. 238.
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