PROJETO COMO FOCO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE DESIGN DE INTERIORES
Autora
Sâmela Suélen Martins Viana Pessôa
Resumo
O presente trabalho resulta de uma palestra ministrada no Fórum DoDis, organizado pela Associação Brasileira de Designers de Interiores, cujo objetivo foi criar um espaço de diálogo e reflexão entre docentes e discentes acerca de temáticas relacionadas ao campo do design de interiores, formação e atuação profissional. Para isso, elaborou-se um registro dos principais aspectos elencados na explanação, que considera a relevância das disciplinas práticas de projeto na formação do designer e as complexidades que envolvem a atuação no cenário presente.
Palavras chaves: Design de Interiores; Projeto; Método; Complexidades.
Abstract
This work is the result of a lecture given at the DoDis Forum, organized by the Brazilian Association of Interior Design, whose objective was to create a space for dialogue and reflection between teachers and students on topics related to the field of interior design, training and professional performance. For this, a record of the main aspects listed in the explanation was elaborated, which considers the relevance of practical design disciplines in the formation of the designer and the complexities that involve acting in the present scenario.
Keywords: Interior Design; Project; Method; Complexities.
INTRODUÇÃO:
Qual o lugar do projeto na formação do designer de interiores? Seria a prática projetual um caminho de aprendizado para o desenvolvimento de competências e habilidades para a atuação profissional? Com o intuito de responder a esses questionamentos este artigo apresenta reflexões sobre a formação, o pensamento metodológico em design e as complexidades que permeiam a atuação no cenário presente. Tais reflexões resultam de uma palestra ministrada pela autora no Fórum DoDis da Associação Brasileira de Designers de Interiores (ABD), intitulada: “Projeto como foco na formação do profissional de design de interiores”. Assim, o presente artigo objetiva apresentar a essência do que foi relatado, fruto de vivências da docente nas práticas de ensino, pesquisa, extensão e atuação profissional em design de ambientes [1].
A PRÁTICA PROJETUAL E O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS
Nas diferentes modalidades de formação em design de interiores (nível técnico, tecnólogo ou bacharelado) pode-se identificar a ênfase dada às disciplinas dedicadas à prática projetual. Tais disciplinas funcionam como catalisadora de diferentes conhecimentos adquiridos ao longo da formação e consistem na espinha dorsal dos cursos, por abrigarem a prática de exercícios projetuais (DIAS, 2004).
Pela experimentação o aluno desenvolve habilidades metodológicas e práticas que vão expandir seu olhar para a projetação e funcionam como um ensaio para a atuação profissional. Compreende-se, assim, que a atuação profissional é o reflexo, ou mesmo o caminho de continuidade das práticas, competências e habilidades adquiridas durante a formação. Nesse sentido, se faz necessária a reflexão contínua sobre a prática do projeto nos cursos de formação em design.
Como parte do exercício projetual, considera-se que todo projeto resulta de um processo intenso de experimentação, que percorre as etapas de exploração, ideação e elaboração. Nesse processo, o ponto de partida nasce da identificação de um problema ou questão a ser respondida, em que o designer, em formação, irá acessar método, repertórios e instrumentos diversos que irão auxiliá-lo na condução do exercício projetual. Assim, a reflexão sobre o projeto envolverá os repertórios adquiridos sobre o método de design, mediante um sequenciamento de etapas que culminam na elaboração de uma resposta ao problema projetual.
Nesse percurso, o desafio do discente consiste em eleger o caminho que melhor responderá ao problema de projeto e, para isso, irá utilizar de representações para comunicar sua melhor resposta. A cada novo exercício prático o discente percorrerá um
[1] Design de ambientes é uma terminologia adotada por algumas instituições de ensino, que compreendem na formação a projetação de ambientes internos e externos (ênfase ao paisagismo). Contudo, nota-se uma maior recorrência no campo do design pela aplicação da terminologia design de interiores. Neste artigo ambas terminologias serão consideradas e dizem respeito a atividade de projetação de ambientes, sejam eles internos, externos ou de outras tipologias.
caminho que propiciará novas experiências de aprendizagem pelas quais será estimulado a desenvolver competências e autonomia para projetar. Nesse processo, o exercício projetual em design requer o desenvolvimento de competências distintas e complementares, conforme ilustra a Figura 1.
Figura 1: dimensões do exercício projetual
Fonte: autora, 2021.
A primeira competência (dimensão subjetiva e intangível) consiste na construção de um arsenal teórico, metodológico e estratégico, que permitirá ao designer compreender para diagnosticar. Além disso, será necessário ao designer desenvolver uma segunda competência (dimensão objetiva e tangível) que considera o uso e aplicação de instrumentos para a representação da ideia de que podem resultar em diferentes expressões, sejam elas gráficas (com o uso de softwares e/ou ilustrações), textuais, iconográficas, técnicas, dentre outras.
Nesse contexto, o exercício projetual envolverá o desenvolvimento de capacidades distintas e complementares: a primeira, que consiste na construção de repertórios para explorar, compreender e diagnosticar e, a segunda, permitirá o registro tangível da proposição. Nesse processo, faz-se necessário percorrer o método de design e correlacionar abordagens que permitam a expansão do olhar sobre a realidade em questão. Diante disso, as ferramentas do design de serviço [2] têm auxiliado na instrumentalização e fundamentação desta primeira dimensão. Além disso, a construção de um repertório teórico-prático, que considera o pensamento estratégico e a visão sistêmica, também se torna necessária para ampliar a visão do discente sobre as possibilidades de atuação em design (BRITO; PESSÔA, 2020). Diante a cada novo cenário e desafio proposto, considera-se como uma prática a construção contínua de
[2] Design de serviços é uma área do design que se dedica a projetação de melhores experiências e performances que consideram as interações dos diferentes usuários com um determinado serviço (STICKDORN E SCHNEIDER, 2010).
AS COMPLEXIDADES QUE ENVOLVEM O PROJETO
No que tange ao desenvolvimento de projetos de design de ambientes, é recorrente a compreensão de que esta atuação se concentra na elaboração de projetos voltados a solucionar problemas do homem em relação ao espaço, considerando aspectos conceituais, funcionais, estéticos, técnicos, tecnológicos e econômicos[3].
Tal proposição, em sua maioria, resultará em condicionantes projetuais que orientam acerca de fatores da linguagem que se expressam pelo alinhamento estético e simbólico da composição, bem como na especificação dos materiais e dos elementos que irão compor o ambiente. Além disso, a solução de design também traz apontamentos para o planejamento do arranjo espacial (que incluem estudos de mapeamento funcional com a setorização e análise de fluxos) e para a geração de alternativas para melhor definição do layout. Estes entregáveis, ainda hoje, compreendem o cerne das entregas de design de ambientes. Contudo, quando observamos a definição apresentada pelo projeto pedagógico de um curso de bacharelado em design de ambientes podemos expandir a compreensão sobre as possibilidades de atuação e serviço:
Design de Ambientes é um campo do saber que atua no planejamento e configuração de ambientes onde ocorram convivência ou atividades humanas, sejam eles internos ou externos. É um campo de especialização do design que se encarrega de criar e planejar, de maneira sistêmica, os diversos espaços para finalidades distintas. Suas ações partem da premissa de que os problemas relacionados aos ambientes têm solução a partir de uma visão ampliada do contexto no qual se inserem e das aspirações dos atores envolvidos. Por conseguinte, o processo de desenvolvimento de viabilizar soluções em design de ambientes perpassa aspectos tangíveis (funcionais e técnicos) e os intangíveis (comunicacionais, estéticos e simbólicos). Esses aspectos se estabelecem mediante um sistema de relações contextualizadas nas dimensões social, econômica, política, cultural, ambiental e tecnológica (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE DESIGN DE AMBIENTES ED/UEMG, p. 26, 2020 [4]).
A partir dessa definição pode-se compreender que uma solução de design de ambientes pode resultar ou não em espaços construídos. Por isso, crê-se que enquanto o designer amplia seus repertórios e consolida o arsenal exploratório e estratégico, seu olhar sobre a realidade para a qual projeta se expande, o que influenciará diretamente
[3] Definição sobre o curso de Design de Ambientes. Disponível em:
<https://www.uemg.br/graduacao/cursos2/course/design-de-ambientes>. Acesso 08 de Novembro de 2021.
[4] Projeto Pedagógico do Curso de Design de Ambientes da UEMG. Disponível em:
<https://www.uemg.br/images/2020/noticias/agosto/PPC_Design_Ambientes_aprovado_coepe_01.07.2 020.pdf>. Acesso no dia 08 de Novembro de 2021.
em entregas mais abrangentes e ultrapassará o campo da projetação do ambiente físico.
Nesse sentido, faz-se necessário desenvolver a capacidade de identificar o problema como elemento central da projetação. Compreende-se o problema como aquilo que prejudica a experiência humana (emocional, cognitiva, estética) e o bem-estar na vida das pessoas, considerando todos os aspectos da vida (como trabalho, lazer, relacionamentos, cultura, dentre outros). Isso faz com que a tarefa principal do designer seja identificar problemas para gerar as melhores respostas (VIANNA et al, 2012; BRITO; PESSÔA, 2010). Ao refletirmos sobre as possibilidades de expansão do campo de atuação, ressaltamos uma definição sobre a transição de cenários em que Bahia (2017) colabora ao afirmar que o designer atua para transformar uma situação indesejada em outra que seja a mais desejada possível.
Esta ampliação do escopo da atuação tem possibilitado novos caminhos para os designers de ambientes. A maneira como o designer compreende as questões e age sobre elas possibilita a expansão das entregas de design. Nessa perspectiva, o método de trabalho tem motivado empresas a compreender melhor usuários, expectativas e contextos, promovendo soluções cocriadas entre as equipes e os usuários (VIANNA et al, 2012; BRITO; PESSÔA, 2020).
Dessa maneira, compreendemos que o modo como a sociedade enxerga o design também vem se modificando com o tempo. A Figura 2 ilustra o processo de transformação do escopo de atuação em design.
Figura 2: Processo de transformação do escopo de atuação do design
Fonte: adaptado de JONES (2013).
Compreende-se como primeiro estágio o design tradicional, que consiste na elaboração de serviços que atendem as tipologias específicas de design, tais como: produto, ambiente e comunicação. No segundo estágio, nota-se a introdução de um design para além do produto físico, que também considera a criação de valor, inovação e experiência do usuário. No terceiro estágio, o design é orientado para a complexidade, pois considera as transformações organizacionais delimitadas por negócios ou estratégias. Já no quarto e último estágio, o design se expande para a transformação social que considera sistemas sociais, elaboração de políticas e desenho de comunidades. Nota-se que essas diferentes abordagens do escopo de serviços do design passam pela solução de projeto como parte de um processo de transformação social, que também reconsiderou o papel do design na sociedade contemporânea (BRITO; PESSÔA, 2020).
Essas distintas abordagens no design passam pela solução de projeto. Nesse sentido, a prática projetual tem um papel relevante na formação do discente, na medida em que propicia um ambiente de aprendizagem que se dá pela experimentação prática do método de design aplicado. Assim, a produção de vivências extensionistas no contexto do ensino e formação superior se configura como uma metodologia ativa que permite ao discente protagonismo e autonomia, ao longo de todo o processo de desenvolvimento do projeto.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Ao refletirmos sobre o lugar do projeto na formação do designer de ambientes, foi possível identificar que projetar é uma atividade desafiadora, que se inicia na formação acadêmica, mediante às disciplinas de prática projetual. Estas têm o papel de introduzir o discente ao exercício prático e aplicado do método de design. Nesse processo de formação, observa-se que as experiências de aprendizagem se potencializam quando se estabelecem em contextos reais. Esse cenário permite o desenvolvimento de competências e habilidades adquiridas pela autonomia e protagonismo discente. Vivências estas que geram aprendizados significativos e direcionadores para a atuação profissional.
Nesse sentido, pode-se compreender que, ao longo da formação, faz-se necessária a construção de repertórios que permitam ao discente expandir as possibilidades de prestação de serviço em design de ambientes e reconheça as complexidades do contexto estudado. A partir disso, será possível transitar por diferentes possibilidades de atuação que podem considerar desde uma entrega tradicional de um projeto para o ambiente ou mesmo uma ação de design orientada ao desenho de transformações sociais. Os diferentes níveis que envolvem os escopos da atuação profissional se estabelecem pela construção de um olhar interpretativo, advindo da aplicação do método de design em experimentações práticas. Trata-se, portanto, de um processo contínuo de aprendizado que se inicia na formação acadêmica e se estende para a trajetória profissional.
Mini Biografia
Sâmela Suelen Martins Viana Pessôa, designer de ambientes, mestra em Design e docente no curso de Design de Ambientes na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
REFERÊNCIAS:
ABREU, S. M. B. M. ; PESSOA, S. S. M. V. ; BAHIA, I. P. ; ALVES, M. A. ; FANI, L. S. . Ensaios na prática projetual de design de ambientes: uma abordagem sobre a práxis do ensino. Revista Intramuros, 03 fev. 2020.
BRITO, Thábata Regina de Souza; PESSÔA, Sâmela Suélen Martins Viana. O que a pós-graduação pode esperar dos tecnólogos em Design de Interiores: relato de experiência na disciplina Projeto Interdisciplinar. In: Colóquio Internacional de Design. Edição 2020.
BAHIA, I. P. O valor do design de ambientes: considerações acerca do processo de construção de valor em design de ambientes (Dissertação de Mestrado – UEMG). Belo Horizonte: 2017.
DIAS, Maria Regina Álvares Correia. O Ensino Do Design: a interdisciplinaridade na disciplina de projeto em design. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Universidade Federal de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado. Florianópolis, 2004.
JONES, Peter H. Systemic Design Principles for Complex Social Systems. Social Systems and Design, Gary Metcalf editor. Volume 1 2013.
SCHNEIDER, Jakob; STICKDORN, Marc. This is Service Design Thinking: Basics – Tools –Cases. Book Industry Services (BIS) – 2010. Hardcover.
VIANNA, M. Design thinking: inovação em negócios. Rio de Janeiro: MJV Press, 2012.