Etnodesign
As responsabilidades do ensino histórico na educação superior
Autora
Beatriz Oliveira
Resumo
Este projeto aborda uma análise a respeito de uma visão histórica na transição dos pensamentos étnico culturais e sua difusão no meio acadêmico superior. O objeto de estudo refere-se às abordagens metodológicas na formação superior em Artes e Design e como o etno- se aplica a elas. A principal intenção é preparar uma pesquisa a respeito da qualidade metodológica do ensino dos locais abordados, com uma visão estruturada sobre a aplicação das mesmas, além da previsão de um novo sistema de ementas que possam abordar o tema de forma congruente. A pesquisa é fundamentada nos princípios da qualidade do ensino, valendo-se pelo entendimento do estudo da arte em demais dissertações e teses a respeito do tema pesquisado. Será apresentado também um levantamento dentro da comunidade científica; resumos de pesquisas e pesquisadores que abordem esta temática e suas percepções a respeito da qualidade do ensino de graduação nestas áreas.
Palavras-chave: Design; Artes Visuais; Etnodesign; Ensino superior.
Abstract
This project addresses the analysis of a historical view on the transition of cultural ethnic thoughts and their diffusion in the higher academic milieu. The object of study refers to the methodological approaches in higher education in Arts and Design and how ethnicity applies to them. The main intention is to prepare a research about the methodological quality of teaching of the approached locations, with a structured view on their application, as well as foreseeing a new structural system that can approach the theme congruently. The research is based on the principles of teaching quality, using the understanding of the study of art in other dissertations and theses about the researched theme. It will also be presented in a survey within the scientific community; research summaries and researchers that address this theme and their perceptions about the quality of undergraduate education in these areas.
Keywords: Design: Visual Arts; Etnodesign; University education.
Introdução
No Brasil, o etnodesign desenvolve-se como proposta para resgatar processos e tecnologias próprias a grupos étnicos brasileiros. A produção desses grupos muito contribui para a construção do universo simbólico e da identidade em nosso país, pois grande parte desses produtos integra o cotidiano da população nacional.[1] O etnodesign surgiu com uma forma de resgatar os processos, a tecnologia e o entendimento daquilo que é produzido por etnias que contribuíram através de seu meio de produção para a formação do universo simbólico dos materiais e produtos que fazem parte do cotidiano da população brasileira. Sarmento (2006) aborda o fato de que;
[…] está ainda por se construir uma sólida discussão sobre a cultura material das mais diversas etnias que formam a nação brasileira. Também em nome do etnocentrismo, ignoram-se importantes processos tecnológicos, criativos métodos de se fazer e de se construir. O resultado dessa visão preconceituosa é o desconhecimento de uma invejável e diversificada extensão de cultura material – a brasileira.
E não é menos verdade que a quantidade de informação disponível e facilitada hoje em dia, acarreta consequências negativas ao nível da qualidade das mesmas. A necessidade de ampliação das competências técnicas dos profissionais docentes envolvidos no ensino das artes, reflete a complexidade e o dinamismo presentes neste cenário contemporâneo, reconhecendo-se inúmeras possibilidades dentro das novas tecnologias tanto da informação quanto pedagógicas, para o ensino superior em artes, pois, os indivíduos devem desenvolver o hábito de discernir as formas, tornando-se capazes de analisar com espírito crítico, nosso patrimônio artístico e cultural. Em sua tese a respeito de metodologias de ensino, Raposo (2010) defende que o domínio dos conhecimentos históricos relacionados com a arte-educação é de fundamental importância como subsídio para uma ação transformadora no ensino e na aprendizagem da arte na atualidade.
Os docentes são colocados agora perante alguns desafios, como por exemplo, a missão de se enquadrarem como orientadores das fontes de informação, os quais devem desenvolver nos alunos hábitos de pesquisa crítico-reflexiva para que os mesmos possam a partir daí, selecionar diferentes informações e produzir seu próprio conhecimento, seguindo também as mudanças ocorridas nas políticas educacionais, neste caso, fazendo com que o docente aprofunde seu conhecimento e mantenha seus status de valor perante a sociedade (CORAGGIO, 2000; ARAÚJO et al., 2005).
Manzini (2002, p.20), aborda uma característica essencial para se analisar, acerca do papel de um estudante e profissional docente das artes – “têm que mudar seu perfil profissional, convertendo-se em operadores que atuam dentro de uma rede, assumindo o papel de provedores do processo de inovação. ” Analisar, estudar, abordar, conceituar, inovar, criar – pretende-se ainda não limitar a discussão sobre o tema, mas indicar novos métodos e possibilidades que se delineiam a partir de experiências vividas no cotidiano. Dentro disso, entende-se a necessidade de se abordar tais conceitos ainda no âmbito acadêmico, visando um entendimento mais amplo a respeito do resgate de identidades e seus significados, quando postos em prática.
Segundo Raposo (2010), para se compreender e assumir melhor as responsabilidades como docentes em arte, é importante saber como ela vem sendo ensinada, suas relações com a educação e com o processo histórico-social. A partir dessas noções poderemos nos reconhecer na construção histórica, esclarecendo como estamos atuando e como queremos construir essa nossa história através da análise de nossas memórias e como as mesmas podem influenciar as abordagens técnicas e projetuais dos novos profissionais da área.
[1] **Citação retirada de artigo apresentado ao II Seminário Internacional: fronteiras étnico-culturais – fronteiras da exclusão (Práticas educativas num contexto intercultural), 2006, Campo Grande. Etnodesign e cultura brasileira: memória, resgate e identidade’; por José Francisco Sarmento Nogueira
1. Abordagens do tema
O ensino das artes
O design, como um dos campos das artes visuais, é fruto de diversas revoluções tecnológicas e sociais, tendo em vista seus aspectos projetuais, técnicos e estéticos e sua viabilidade em se misturar a diversos segmentos da atuação humana. Esta pré pesquisa de projeto busca discutir questões e conceitos, os quais possam permitir entender como o etnodesign tem sido aplicado na formação acadêmica superior.
Dentro dessa perspectiva, o etnodesign é apresentado como um meio histórico tido como ‘aquele que se utiliza de referencial que provêm de culturas que se especializam no legado que é passado de geração em geração e que aprimoram a técnica da confecção de seus artefatos e/ou projetos enquanto valor que supre as necessidades conceituais e estéticas dentro das matrizes étnicas.[2]
Alguns antigos sistemas educacionais são constantemente alimentados por um mercado que não aposta em metodologias interculturais. Outra possível adversidade diz respeito à formação docente, principalmente na área das artes, sobre a qual ainda se pensa que uma formação mais consistente é desnecessária, já que seria algo realizado em função de uma habilidade estética individual, mas, este projeto, acredita que o universo da criatividade do estudante de artes deve ser estimulado para que o mesmo possa se enriquecer nas suas próprias experiências, e assim, facultar numa maior diversificação de suporte acadêmico, técnicas e situações de desafio, visando seu crescimento artístico no entendimento mais profundo das artes e sua historiografia.
Com isso, uma das intenções futuras desta pesquisa é apresentar uma classificação de tipos de metodologias, além de precisar o quão está valorizada a memória no contexto atual do ensino das artes.
[2] **Citação retirada de artigo publicado na Revista ABPN v. 5, n. 10 • mar. –jun. 2013 • p. 41-57 – ‘Etnodesign e composição plástica: Um estudo sobre a plasticidade afro-brasileira no design de interiores’; por: Luís Antônio Costa Silva e Jefferson Nunes dos Santos.
2. Justificativas
A composição do etnodesign é assumida pelos elementos do ser cultural, pois comunica-se com os valores da sociedade produtora e traduz dela seus anseios, perspectivas e valores. Segundo Ostrower (1987), “parte do processo de transformação de um elemento dentro de seu contexto social pode gerar transformações a longo prazo que podem vir a modificar pensamentos, atitudes e a até própria história”.
[…] seja qual for a área de atuação, a criatividade se elabora em nossa capacidade de selecionar, relacionar e integrar os dados do mundo externo e interno, de transformá-los com o propósito de encaminhá-los para um sentido mais completo. Dentro de nossas possibilidades procuramos alcançar a forma mais ampla e mais precisa, a mais expressiva. Ao transformarmos as matérias, agimos, fazemos. São experiências existenciais – processos de criação – que nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser atuante. Formar é mesmo fazer. É experimentar. É lidar com alguma materialidade e, ao experimentá-la é configurá-la. Sejam os meios sensoriais abstratos ou teóricos, sempre é preciso fazer (OSTROWER, 1987, p.69).
Percebe-se então, a importância de se resgatar a educação histórica na construção da solidez científica do ensino, ou seja, na dimensão que ela comove cada indivíduo, sendo uma das condições do ato de compreender intelectualmente o mundo e suas coisas, permitindo que o profissional possa planejar ações em sua vida prática numa perspectiva crítica de um futuro ainda mais consciente.
Ainda avaliando a importância do estudo das identidades históricas por volta do design e seus conceitos étnicos no ensino superior em artes, justifica-se este projeto como importante também para o desenvolvimento humano, pois, busca-se a integração do saber das teorias históricas da arte, estética e educação, podendo atingir três dimensões essenciais pretendidas: conhecimento, sentimento e ação. Assim, o docente torna-se um expositor e o discente um criador.
Entende-se também que haverá uma contribuição desta ideia de projeto no campo da percepção dos espaços, como aqueles de valor referenciados e influenciados por elementos que tenham relações culturais diversas com seus usuários – sendo eles: memória, resgate cultural e identidade; elementos estes, que se acredita serem carregados de uma simbologia integrante a um contexto que vai além de uma didática formulada pela mídia, encontrando na sua forma e composição referenciais que o identificam como parte da história das artes.
E em uma tentativa de compreender o cotidiano das cidades atuais, através de pesquisas e estudos sobre memória, Bosi (2012), que foi psicóloga e professora de psicologia social e que se dedicou a estudos a respeito da memória, preconceito, conformismo e opressão na terceira idade, afirmava que a memória não é um fenômeno individual ou psíquico/psicológico, mas também um fenômeno social. Ela defendia que, entender a cultura e o passado é de suma importância para se compreender o enraizamento atual do ser humano – ou a falta dele, e que “[…] um dos mais cruéis exercícios da opressão na sociedade moderna (opressão de natureza econômica) é a espoliação das lembranças”, logo, pode-se afirmar que a memória atende ao chamado do presente, o qual não deve ser ignorado no mundo acadêmico.
[…] a fala emotiva e fragmentada do nosso memorialista é portadora de significações que nos aproxima da verdade. Nós temos que aprender a amar esse discurso tateante, as suas pausas, as suas franjas, com fios perdidos quase irreparáveis. Bem mais que um documento unilinear, a narrativa da testemunha mostra a complexidade do real. Oferece uma via privilegiada para compreender a articulação dos movimentos da história com a cotidianidade. É muito belo escutar esse rememorar meditativo da testemunha. E nós então compreendemos que se pode fazer da memória um apoio sólido para a construção do presente e ela se torna para nós uma verdadeira matriz de projetos. (BOSI, 2012. Entrevista: Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano, por Mozahir Salomão Bruck)
Afim de legitimar a história da cultura e confirmar a importância de seu estudo aprofundado no contexto do ensino superior – práticas essas que visam fazer reconhecer uma identidade social, na tentativa de evitar o distanciamento entre disciplinas que retratam história, cultura, sociedade, símbolos, etnias; verificou-se em alguns estudos de Chartier (1987), alguns discursos a respeito do exame de obras tradicionais não questionadas e reivindicadas, mas que podem determinar uma nova maneira de se perceber do mundo atual. O autor não descarta o estudo de obras diversas, encarando o estudo etnohistórico como um “espaço aberto a múltiplas leituras”.
As interpretações, conforme ele, são determinadas através de aspectos sociais, culturais e institucionais (logo, percebe-se aqui, a importância da aplicação de metodologias que possam abordar o etno e suas variantes como parte significativa no ensino superior em artes).
[…] que é o dever de pensar as divergências surgidas no nosso mundo acadêmico ou as evoluções das disciplinas que são as nossas, situando-as no espaço social que é o seu. (…). As percepções do social não são de forma alguns discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. (CHARTIER, 1987, p.16-17)
A respeito da aprendizagem histórica e seus desdobramentos no futuro do pensamento crítico acadêmico, vê-se também necessária uma pesquisa textual e conceitual a respeito de algumas das obras de Rüsen (2001), pois, apesar de seus títulos abordarem a palavra “ensino”, seus textos dão incentivo à uma pesquisa crítica em relação à união histórica entre passado, presente e futuro, fazendo com que sua teoria de ensino circular seja validada, nos recomendando a necessidade de desenvolver uma metodologia acadêmica que deixe clara a importância da memória social e individual do ser humano e suas expectativas em relação ao futuro, durante sua formação. O autor tem explorado ideias metodológicas a respeito da implantação de um ensino com abordagens sobre: “mudança histórica, significância histórica, explicação histórica, multiperspectiva histórica, evidência histórica, interculturalidade, educação patrimonial, cidadania e narrativa histórica. ”
Por consciência histórica compreende-se “a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmo, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo. ” (RUSEN, 2001, p. 57).
2.1. Questionamentos sobre a temática
Segundo Raposo (2010), a educação ao longo do tempo foi se desenvolvendo e ao mesmo tempo assistindo a emergência de novas concepções e formas de se ver e entender a história, assim como no ensino das artes, o qual se viu confrontado por sucessivas mudanças. Assim, faz-se necessário o entendimento e apresentação de uma linha cronológica para que novas aplicações e adaptações no ensino etnohistórico possam ser propostas e alinhadas com as condições tecnológicas da sociedade atual.
Percebe-se também a necessidade de uma alfabetização visual que se expressa em várias vertentes, como por exemplo, na leitura de materiais, simbologias, imagens e em sua compreensão crítica. Frequentes mudanças de expressões e inserções de novos conceitos culturais estão dificultando o entendimento e aplicação da metodologia destas propostas para com o cotidiano docente-discente, pois, provavelmente se requer maior experiência intercultural e interdisciplinar, visto que, quase tudo do que se conhece em relação à arte produzida no meio, provavelmente chega pelos meios de comunicação de massa, sendo necessária então, uma abordagem metodológica diferenciada em sala de aula, unindo estética, história, interculturalidade e crítica.
2.2. Objetivos
Investigar o significado das mudanças e adaptações histórico-culturais inseridas no ensino das artes e em suas diversas áreas de pesquisa, as quais refletem a evolução do comportamento humano em sala de aula e fora dela – tanto no âmbito social como no individual, priorizando um discurso a respeito da relevância da arte em todos os seus momentos: no ensino e em sua aplicação no cotidiano, no entendimento do universo do etnodesign e na interpretação de suas construções simbólicas, identidade e a interculturalidade que se pode representar com ele.
Entender e discutir a relação entre identidade étnica histórica (a crença na convivência étnica) e como ela se constrói academicamente a partir das diferenças em relação ao outro, dado que a universidade é um local privilegiado para a transmissão de conhecimentos que vieram desde as gerações anteriores, e no qual de uma forma ou de outra, o currículo acadêmico será trazido à tona.
Adequar possíveis metodologias no ensino formador docente a respeito da etnocultura e suas variantes, para que haja um incentivo por parte deste colaborador, em transmitir uma nova forma de pensamento em sala de aula, o qual coloque em relevo o significativo potencial da cultura material brasileira, para se desenvolver possíveis ementas de disciplinas para cursos de graduação em artes e design, assim como novas linhas de pesquisa.
2.3. Hipóteses reflexivas
A reflexão sobre a produção de conhecimento no ensino das artes na graduação, nos obriga a pensar a relação entre a educação e a pós-graduação no Brasil, partindo do princípio que há uma necessidade de ampliação dos conhecimentos a respeito de temas relacionados à cultura etnográfica e histórica do nosso país, além da aplicação de novas metodologias dentro e fora de sala de aula. Vê-se então a importância de uma formação docente mais qualificada em termos artístico-históricos, sendo indispensável pontuar que o docente, em primeiro lugar, deve reconhecer as artes como uma parte valiosa de seu próprio ensino.
Parte-se do princípio que, criar espaços institucionais próprios para a discussão do ensino etno (-design, -cultural e -histórico), poderiam vincular o pensamento docente estruturante com a formação de um discente com ideias mais consistentes, envolvendo ação, transformação e configuração de uma geração capaz de ser crítico-reflexiva, no sentido da afirmação de sua identidade com pertinência à sua região cultural.
2.4. Pressupostos teórico – metodológicos
Morin (2008), antropólogo, sociólogo e filósofo francês, um dos inspiradores dos proponentes da Universidade Nova no Brasil, aposta em profundas modificações educacionais, defendendo a proposta de que mudanças nas universidades através de uma reforma que rearranje e reagrupe os campos de saberes, dividindo-os em três ciclos, provocaria mudanças no mundo do trabalho; mas, estas mudanças devem ser confrontadas, visando à viabilidade dos cursos, a aplicação de novos métodos de ensino e um aperfeiçoamento docente, dentre outros. Para tanto, se o desenvolvimento do mundo do trabalho se alinha diretamente às questões da educação (ou “nova” educação), e estas podem refletir diretamente sobre o desenvolvimento das metodologias de ensino nas universidades e sobre uma melhor qualificação dos docentes.
O contexto geral seria a busca por uma formação discente cada vez menos carente e mais reflexiva. Nisto, vê-se importante aprofundar teorias a respeito de uma formação generalista e crítica dentro das universidades, visando um possível amadurecimento questionador do estudante antes da finalização do seu curso, eventualmente preparando-o de forma interdisciplinar para o competitivo mercado de trabalho.Vale ressaltar que não há necessidade de se delinear apenas as etnias já abordadas em outras pesquisas acadêmicas; como por exemplo as indígenas ou afro-brasileiras como fontes principais; mas sim, busca-se o desenvolvimento de um estudo sobre procedimentos metodológicos, baseados no desenvolvimento de novas técnicas de ensino mais profundas e pertinentes para se abordar o etno (com suas variantes) e seus desdobramentos históricos dentro de sala de aula.
2.5. Sobre pesquisas e pesquisadores
A relevância sobre as fontes presentes neste trabalho, buscam demonstrar teorias a respeito da abordagem do etno (-design, -cultural, -histórico) dentro da história da sociedade. Sarmento (2006) aborda temas a respeito da importância do entendimento da cultura etnográfica presente em alguns povos e como se dá sua aplicação no cotidiano, com o objetivo de romper algumas barreiras étnicas e retratar a importância da nossa cultura individual e coletiva.
Diante da diversidade étnica e do dinamismo cultural que compõem o Brasil, pode-se imaginar a parcela de contribuição de cada uma das etnias para como o dinâmico processo de construção das várias identidades que compões a grande identidade brasileira. A cultura material coletiva foi diversificada, ao longo dos séculos, em função das adversidades impostas pelo meio ao qual os diferentes povos tiveram que se adaptar. A transferência ou permuta de conhecimento tecnológico entre os que chegavam e os que já habitavam estas terras foi de grande importância para o surgimento de uma cultura material singular e dinâmica (SARMENTO, 2006, p.5).
Dando importância ao resgate da memória e sua função na definição de identidades e conceitos para o futuro, transformando-a em social, histórica e coletiva, Bosi (2012) discute a respeito desta conexão, e suas significações na linha do tempo do homem; pois para a autora a memória atende ao presente. Relata também que, eventualmente, o resgate desta memória se dá academicamente, não de maneira íntegra, mas sim, apenas para cumprir alguns requisitos.
Esse intenso movimento de recuperação da memória nas ciências humanas se constitui hoje numa verdadeira moda acadêmica. O vínculo com o passado, que é vital, porque dele se extrai a seiva para a formação da identidade. Nesse sentido também está a noção de direito ao enraizamento, de Simone Weil, para quem este é um direito humano semelhante a outros direitos ligados a sobrevivência do homem (BOSI, 2012).
Abordando também o ensino da história em uma perspectiva intercultural, algumas formas de abordagem e novas formas de investigação historiográfica que poderão ser aprofundadas neste pré-projeto de mestrado, através de pesquisas em obras de Chartier (1987), terão levantamentos de caráter social, cultural e institucional. Para ele “equacionar os problemas da história intelectual constitui tarefa embaraçosa por múltiplas razões. ” Um dos seus objetivos nesta análise cultural e verificação de sua importância ao longo do tempo, se dá através da necessidade de “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”.
Sabendo da importância de se conciliar prática e academicamente o que se sabe, Ostrower (1987) relata que “o consciente racional nunca se desliga das atividades criadoras; constitui um fator fundamental de elaboração. Retirar o consciente da criação seria mesmo inadmissível, seria retirar uma das dimensões humanas”. Através da adequação de possíveis metodologias que poderão ser propostas, a respeito da etnocultura e suas variantes, pode-se verificar nestas fontes, formas de se transmitir uma nova forma de pensar em sala de aula, colocando um maior significado na cultura material do país, permitindo ao aluno, repensar a etnohistória em sua estrutura cognitiva, partindo de sua própria vivência, valores e tradições, ainda que em apenas um dado momento.
Tentando dar mais significado à criação, através da busca de novas metodologias, tem-se Papanek (1995), autor que resignifica o uso de materiais em projetos de design. Apesar de sua abordagem ser em sua maioria a respeito da sustentabilidade no design desde os primórdios de suas pesquisas, ele já demonstrava o uso de algumas técnicas sustentáveis que somente hoje estão sendo levadas à sério. Nele, vê-se uma inquietude em relação à formação de profissionais que não estão preocupados com valores humanos, os quais tem se esforçado em criar, por muitas vezes, objetos sem significado, nos quais prevalecem a atualização tecnológica e não a usabilidade, verificando assim, uma falta de consideração com o passado e com o presente, dando vistas apenas para o futuro.
Dessa forma, as fontes históricas quando assumem também uma função pedagógica intermediada por um docente qualificado, devem ser entendidas como capazes de construir significados específicos que vão auxiliar o discente a fazer abstrações e diferenciações naquilo que foi passado, o que levará este a ser capaz de arquitetar determinados conceitos sobre a história já vivida e àquela que ainda está para ser construída. Com isso, Raposo (2010), cita alguns argumentos que atribuem ao docente um papel importante como formador de opinião, sendo que, mais importante do que isto, é também sua formação pessoal baseada em critérios mais intrínsecos:
Foram-se redesenhando espaços, configuraram-se quadros de docentes, restabeleceram-se relações de forças, o que conduziu a uma maior parcelização e desestruturação dos saberes, pelo que qualquer tentativa de mudança mais arrojada será sempre inevitavelmente condicionada. Por oposição a um modelo de ensino centrado no docente enquanto transmissor do conhecimento, propõe-se agora um modelo centrado no aluno, capaz de estimular a iniciativa, a autonomia, o espírito de cooperação e o sentido da descoberta (RAPOSO, 2010, p.7).
3. Conclusão
O discurso em etnodesign propõe muitas possibilidades para pesquisas em design e sua história, relacionando a arte e a cultura material das etnias que habitavam nosso país ou que se adequaram aqui posteriormente. Assim, este projeto verificou a necessidade de uma orientação temporal que norteie as experiências vividas no passado e como elas marcam nosso futuro, observando como estas estão sendo abordadas no âmbito acadêmico em disciplinas relacionadas às histórias. Para este processo de investigação etnográfico, o objetivo será validar e consolidar a identidade nacional na construção da individualidade do design brasileiro, independentemente de sua área ou especialidade.
Neste trabalho será privilegiada a relação entre instituição e docente aliada à aplicação de metodologias diversificadas para melhor compreensão da cultura brasileira, visando uma maior adequação das mesmas em sala de aula. A visão do discente e sua opinião em relação ao ensino recebido também serão analisadas, além das fontes históricas – as quais serão ferramentas importantes usadas na tentativa de se produzir um projeto que tente entender a relação entre identidade étnica histórica e seus valores, construindo um modelo avaliativo sobre o ensino em artes[3], fazendo a adequação de possíveis metodologias mais abrangentes, através do desenvolvimento de ementas complementares às já existentes.
E mais do que artisticamente, este trabalho tem interesse em abordar visões políticas, históricas e filosóficas, observando na maturidade do ensino, uma forma de evitar a alienação do homem na contemporaneidade. Assim como para Jörn Rüsen (2007), as didáticas de ensino e aprendizagem devem ser melhor investigadas para que possam surtir efeitos não só academicamente, mas, também, em um viés público e cotidiano.
Acredita-se que desta forma, este pensamento de interculturalidade no ensino do etno- pode alimentar o desenvolvimento cultural, cognitivo e prático tanto dos docentes quanto dos discentes do ensino superior em artes. Assim, formar-se-ão seres humanos mais críticos, fazendo o uso de instrumentos teórico-práticos que auxiliam na compreensão do presente através de um entendimento mais aprofundado do passado, contribuindo para uma reflexão sobre a identidade cultural e, consequentemente, valorização dos símbolos mais significativos que representam nosso passado.
[3] **Abordar-se-á indivíduos nos seguintes tipos de instituição de ensino: Curso de Artes (Artes Plásticas e Design), em universidades pública e privada, com cursos superiores de quatro anos e faculdades privadas, com o mesmo curso de graduação tecnológica num período de dois anos; todas localizadas na cidade de Goiânia.
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Currículo da autora
Beatriz Oliveira
Especialista em Paisagismo pela Universidade Castelo Branco (RJ/ 2010) e Graduada em Artes Visuais – Design de Interiores, pela Universidade Federal de Goiás (2008), com experiência em execução de projetos de paisagismo e interiores, com ênfase em detalhamento técnico botânico de projetos residenciais e comerciais. Iniciou suas atividades como professora universitária em 2013 e atualmente também ministra cursos e palestras com ênfase em design, paisagismo e neurociência, além de participar como coordenadora acadêmica da ABD/GO.