O design de interiores integrado ao Brutalismo Paulista
Um estudo da Casa Butantã de Paulo Mendes da Rocha
Autores
Franciane Schreiner da Mota
Larissa Siqueira Camargo
Resumo
O presente estudo objetiva apresentar o design de interiores integrado ao brutalismo paulista. Justifica-se a escolha deste tema a fim de compreender de que maneira é possível integrar conceitos e estilos arquitetônicos em projetos de interiores, com mobiliários fixos, utilização de espaços, usos e novos modos de morar. A metodologia utilizada para alcance dos objetivos é de caráter qualitativo, e a revisão de literatura foi fundamental para compreender o contexto do brutalismo paulista, e o estudo da Casa Butantã para compreensão do mobiliário que remete ao brutalismo imerso no design de interiores. Conclui-se que, é possível atrelar brutalismo paulista e design de interiores, constatado através do estudo dos mobiliários fixos da Casa Butantã, não sendo apenas um estilo arquitetônico, mas com aplicabilidades nos interiores, por meio dos mobiliários fixos e aproveitamento de espaços com o uso do concreto aparente.
Palavras-chave: Design de Interiores. Arquitetura. Casa Butantã. Brutalismo Paulista.
Abstract
The present study aims to present the interior design integrated with the brutalism of São Paulo. It is justified to choose this theme to understand how it is possible to integrate architectural concepts and styles in interior design, with fixed furniture, use of spaces, as well as uses and new ways of living. The methodology used to reach the objectives is qualitative, and the literature review was fundamental to understand the context of Brutalism in São Paulo, and the study of Casa Butantã to understand the furniture that refers to brutalism in an interior design. It is concluded that it is possible to link brutalism in São Paulo and interior design, as it was possible to verify in the fixed securities of Casa Butantã, not only an architectural style, but with interior applicability through furniture, use of spaces with use of apparent concrete.
Keywords: Interior Design. Architecture. Casa Butantã. Brutalismo Paulista.
1. Introdução
Quando se fala de Arquitetura Moderna, a “máquina de morar” de Le Corbusier é o exemplo primário para exemplificar uma residência modernista. No Brasil, a busca por essa tipologia seguiu-se por algum tempo nos projetos residenciais de arquitetos como Vilanova Artigas, Ruy Ohtake e Paulo Mendes da Rocha, entre outros. Para isso, alguns móveis fixos são inseridos no projeto arquitetônico, integrando assim design de móveis e arquitetura, compondo o design de interiores ao qual será analisado neste trabalho.
A prática arquitetônica no período modernista frequentemente engloba a criação também de móveis em concreto, integrando a arquitetura e o design da casa. Esse recurso vem a ser recorrente principalmente na produção da conhecida escola paulista brutalista, onde a expressão do concreto aparente é transmitida às diferentes regiões brasileiras, produzindo distintas apropriações também no espaço interior dessa arquitetura que trazia consigo um desejo de mudança social, pretendendo fazer uso da produção industrial com fins sociais.
Conhecidas como verdadeiros laboratórios experimentais, as casas brutalistas paulistas foram fruto de inúmeros testes de aplicação do concreto, que não poderia deixar de ser utilizado também no mobiliário fixo que, anexo à arquitetura proposta, define a configuração interna dos ambientes, atrelando dessa forma o design de interiores ao projeto arquitetônico desde o partido projetual.
Diante deste contexto, este trabalho tem por objetivo analisar o uso dos mobiliários fixos no design de interiores, estando este conectado ao projeto arquitetônico, visto que tem crescido exponencialmente os estudos e publicações acerca da arquitetura modernista brasileira, e mais especificamente sobre o brutalismo paulista, porém, poucos deles possuem uma perspectiva voltada ao projeto de interiores e ao mobiliário criado pelos arquitetos da Escola Paulista para seus projetos residenciais.
Justifica-se a escolha deste tema de estudo para compreender de que maneira é possível integrar conceitos e estilos arquitetônicos em mobiliários e projetos de interiores, através dos mobiliários fixos na definição de espaços, usos e na busca por novos modos de morar.
A fim de responder se os móveis que são criados de maneira integrada à arquitetura brutalista trazem consigo o desejo e o discurso de transformação social, adotou-se o estudo de caso como metodologia de pesquisa, através de revisão bibliográfica e posterior análise do interior da residência que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha projetou para si na década de 1960 e que ficou conhecida como Casa Butantã.
O presente estudo encontra-se dividido em 04 (quatro) seções, a primeira seção introdutória apresentando tema, objetivos, justificativa e metodologia de estudo, a segunda seção contempla a revisão de literatura acerca de design de interiores e brutalismo paulista, a terceira seção contempla a análise do brutalismo aliado ao design de interiores, utilizando a Casa Butantã para demonstrar essa correlação, e por fim, a conclusão.
2. Revisão de literatura
Nesta seção é apresentada uma revisão de literatura acerca do Design de Interiores e do uso de mobiliários fixos, inserindo no contexto histórico do brutalismo paulista. Por meio dessa base teórica, é então apresentado um exemplo de aplicabilidade dos mobiliários fixos no brutalismo paulista, procurando-se compreender a integração de conceitos de design de interiores na Casa Butantã, projeto de Paulo Mendes da Rocha.
2.1. Design de Interiores
Ao elaborar um projeto de interiores é preciso levar em consideração, além da sua funcionalidade, também o significado de cada ambiente, considerando valores como forma, função, cor, textura, sonoridade, o significante e a sua simbologia, sendo que cada um desses valores resulta no espaço dimensionado, funcional, sonoro, colorido e com um significado, resultando no espaço da comunicação e da arquitetura, por isso a importância em colocar significados no ambiente ao planejá-lo, e ainda com aspectos que remetem a personalidade do indivíduo que fará seu uso (CAMARGO, 2010).
Megido (2016, p. 45) aponta que em “um design revolucionário, o significado dos seus trabalhos, vão além do pensamento tradicional do design e atingem a alma, o coração, a emoção, os sentimentos e os afetos”.
As pessoas buscam se comunicar com a sociedade através dos seus objetos e estas mensagens são deveras previsíveis pelo senso comum, mas podem variar de acordo com a personalidade, faixa etária, estado civil e condição social de cada cliente e somente um briefing bem executado pode fornecer os dados necessários para identificar o perfil desse indivíduo. Mas precisamos tomar cuidado com os devaneios que camuflam a verdadeira personalidade do cliente, pois a falta de intimidade e confiança pode influenciá-lo a criar um personagem daquilo que ele gostaria de ser. Neste caso nada é o que parece e nem tudo o que ele pede é o que realmente necessita. É recomendável “quebrar o gelo” o quanto antes demonstrando simplicidade e bom humor. É obrigação do designer sempre deixar claro as consequências positivas e negativas de cada escolha conduzindo o cliente a uma reflexão mais aprofundada de suas verdadeiras necessidades e anseios além das questões financeiras (MALTA, 2014, p. 56).
Neste contexto, Malta (2014) afirma que o olhar decorativo é uma construção cultural. As definições relacionadas à decoração e ao decorativo devem ser participantes ativas no processo de significação, sendo esse olhar lapidado por vários meios, tantos visuais quanto escritos, para construção do olhar crítico para elaboração um projeto de interiores. É preciso olhar criticamente o meio, o contexto, os objetos já existentes no ambiente, o estilo, as fotografias, as gravuras, para assim tornar-se possível trazer outras dimensões de sentido, permitindo o desdobramento de novos significados.
É preciso também deixar claro que o ambiente é uma linguagem. Mas cabe ao designer definir qual mensagem este ambiente vai transmitir. Se vai ser do autor para com os usuários, do dono/empresa para os usuários, somente do ambiente para os usuários, de um usuário para outro; e finalmente se ela vai ser explicita ou ambígua (MALTA, 2014, p. 58).
Tal linguagem, a qual Malta (2014) se refere, é apresentada nos projetos por meio de mobiliários, cores, texturas. Cada ambiente carrega uma linguagem, uma informação, uma cultura, que pode ser elaborada através do partido arquitetônico adotado, como é o caso do brutalismo, o qual procura transmitir uma mensagem de transformação social.
A elaboração de projetos de interiores vai muito além de planejar, é preciso compreender sobre o contexto histórico da arquitetura, o perfil do cliente, correlacionando ideias arquitetônicas que também podem ser aplicadas em mobiliários, iluminação, uso de revestimentos, fluxos dos ambientes.
É preciso compreender o ambiente, a cultura, os gostos, as várias formas de linguagem que serão transmitidas por meio da composição do ambiente. Para isso, será apresentado o estudo de caso da Casa Butantã do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
2.1.1. O design de interiores através do mobiliário fixo
De acordo com Dantas (2015) o design de interiores começa a ser disseminado entre as classes média e alta em meados do século 1950, quando o modernismo brasileiro ganha força.
A decoração já não se restringe às famílias de maior poder aquisitivo. As classes média e média alta apostam na organização do mobiliário e de todo o arranjo doméstico como um trabalho conjunto, elaborado organicamente para que os espaços sejam agradáveis e fluidos. E, é claro, atraentes. (DANTAS, 2015, p. 140).
Em sentido amplo, todos os designers de interiores estão envolvidos com o planejamento e o layout de espaços internos, sejam pequenos ou grandes, residenciais ou comerciais, sendo imprescindível a tarefa de projetar, alocar adequadamente os espaços internos desejados ou disponíveis para as várias atividades exigidas. As necessidades das áreas podem ser estimadas a partir de uma análise do número de pessoas servidas, dos acessórios e equipamentos de que elas precisam e da natureza das atividades que irá ser acomodada dentro de cada espaço (CHING, 2019).
Portanto ao projetar mobiliários fixos, é preciso pensar no curto e longo prazo da necessidade do cliente, como adequar cada móvel, por isso o projeto de interiores precisa ser eficiente para aproveitar os espaços com mobiliários fixos, e ainda que apresente conforto, organização, atendendo ao estilo do cliente.
2.2. Brutalismo e a Escola Paulista
Para os países europeus, o contexto da pós Segunda Guerra Mundial foi de reconstrução. Um amplo legado em ruínas e a escassez de recursos eram somados ao caos social emergente dos conflitos armados. Internacionalmente ocorriam debates e discussões sobre a arquitetura moderna, que estaria a caminho do esgotamento devido ao aumento de obras racionalistas e da pré-fabricação (MAGNOLI, 2008).
Mesmo arquitetos considerados pioneiros faziam suas críticas revisionistas de seus projetos, e uma das posturas que despontou nesse momento de maneira significativa foi o uso de concreto aparente com o Brutalismo.
Definir o termo Brutalismo não é uma tarefa fácil. Na arquitetura, de uma maneira geral, está ligado à expressão dos materiais utilizados em seu estado natural. O que se espera desta arquitetura é que, através de sua apreciação, seja possível identificar os materiais que concretizam o projeto arquitetônico através da edificação. A arquitetura brutalista demonstra os materiais utilizados e a técnica que permite sua execução. Interna e externamente, procura distinguir vedação ou estrutura, levando o uso de revestimentos a uma categoria de dissimulação. Não existe um critério seletivo do que deva ou não estar à vista e onde o rigor pode chegar à exposição das canalizações (SANVITTO, 2013, p.06).
Em 1966, através do crítico Reyner Banham, o brutalismo enquanto tendência arquitetônica, é definido primordialmente por uma abordagem estética. Zein (2005) afirma que ao invés de buscar uma harmonia interna entre as obras, é preferível buscar compreender o que de fato as reúne.
O Brutalismo no Brasil tem seu início em São Paulo nas décadas de 1960 e 1970, com obras catalogadas Bruand (2008), Segawa (2010), Sanvitto (1994) e Zein (2005), onde, por meio desses trabalhos, compreende-se que houve uma convergência de forças que levaram a uma disseminação de uma arquitetura emergente principalmente nesse Estado brasileiro.
O Brutalismo Paulista foi uma tendência que partia de um discurso defendendo uma postura ética para a sociedade. Foi messiânica e salvadora na medida em que propagou novas idéias em busca de um mundo melhor. Acreditava na verdade, na correção, na virtude e na igualdade dos homens. Esta ideologia conduzia soluções arquitetônicas nas quais nada havia a esconder. Sugeria a vida comunitária decorrente da utilização do espaço único. As segregações não eram bem aceitas, assim como as compartimentações evitadas (SANVITTO, 2013, p. 11).
A economia do país estava em crescimento e São Paulo se destacou nas décadas de 1950 com o aumento da industrialização e entrada do capital estrangeiro. Com o desenvolvimento econômico de São Paulo, houve também um crescimento cultural, o qual trazia grandes debates políticos e sociais para a cidades (CAPUTO; MELO, 2009).
No Brasil, de acordo com Segawa (2010) a arquitetura moderna teve sua afirmação e repercussão internacional no período de 1945 a 1970, pois até então era vista como uma subcategoria das engenharias. Para que isso ocorresse, alguns fatores foram determinantes, como a publicação de quase uma dezena de periódicos especializados e a vinda de professores especializados para as novas faculdades de arquitetura (LEME, 2000).
Tal fato despertou maior interesse pelo tema, acarretando maior demanda de profissionais competentes, bem como a reformulação dos cursos existentes e na origem de novas escolas de arquitetura por todo o país. Essas analogias que aportam de forma bilateral são expressivas no contexto brasileiro, sendo o movimento brutalista, seu sucesso e a grande difusão de seus ideais.
2.3. Paulo Mendes da Rocha e a Casa Butantã
A arquitetura de Paulo Mendes da Rocha apresenta-se de maneira confiante, regular, geométrica. Sua monumentalidade e sua plástica seduzem o observador. Sua obra solidariza-se com a estética funcionalista de vanguardas europeias, adotando um racionalismo geométrico defendido pela “modernidade”. O arquiteto de trajetória modernista é ainda hoje um dos maiores destaques do panorama brasileiro. Conhecido por suas obras de cunho brutalista, Paulo Mendes da Rocha iniciou sua carreira no final dos anos 1950 com obras que se destacam, como o Clube Athletico Paulistano, obra premiada pela Bienal Internacional de Arte de São Paulo (SOLOT, 1999; ZEIN, 2000).
Sua carreira destaca-se por uma postura sempre à frente de órgãos de classe e associações culturais ligados à arquitetura. Ademais, participou e venceu diversos concursos nacionais e internacionais, tendo assim grande parte de sua obra publicada em revistas consagradas. Porém, a maior parte dos projetos residenciais foram produto do período da ditadura militar, no qual teve seus direitos civis cassados pelo Estado, ficando assim impedido de participar de projetos públicos. Dedicou-se então às residências particulares (ZEIN, 2000; OTONDO, 2016).
As casas Butantã foram construídas para a família do arquiteto, tendo sido realizadas em 1964. Paulo Mendes da Rocha morou em uma delas entre os anos 1970 e 1990, sendo a outra residência da sua irmã. São casas onde o arquiteto pode transpor o ideário de uma geração, a qual entendia que a arquitetura era um agente transformador da sociedade. Discutia-se a habitação para todos e a construção em massa, em série, industrializada (OTONDO, 2016).
As duas casas foram construídas ao mesmo tempo. A fôrma de uma passava para a outra. Como se sabia que faríamos duas casas, era uma virtude de o sistema prever um desenho de fôrma que pudesse ser retirada e reutilizada. Ou seja, mesmo não sendo idênticas, as quatro lajes – duas de piso e duas de cobertura – foram feitas com essa ideia de aproveitamento (ROCHA, 2015, p. 36).
O concreto aparente, a continuidade dos espaços e a elegância das linhas despertam a atenção; mas é a concepção radical em que se baseia a relação entre o privado e o comum o elemento inovador do projeto. A casa representa sua visão da arquitetura como experiência compartilhada do espaço – um dos elementos amplamente admirados em seu trabalho e mencionado pelo júri que o agraciou com o prêmio Pritzker (OTONDO, 2016).
Embora não costumem figurar nas publicações sobre sua obra, as residências de Paulo Mendes da Rocha revelam aspectos norteadores de seu pensamento. Por serem projetos experimentais, com os quais ele consolidou sua técnica e visão, constituem ricos objetos de estudo. Entre eles, a Casa Butantã, desenhada para o arquiteto e sua família em 1964, é quase um manifesto sobre uma nova maneira de morar (ROCHA, 2015).
Demonstra-se que, a Casa Butantã apresenta uma nova forma de morar como objetivo de partido arquitetônico, assim também remetendo ao design de interiores com o uso de mobiliários fixos em concreto aparente, vinculando essas duas áreas de estudo da edificação aos aspectos sociais e culturais.
3. Análise e discussão dos resultados
Nessa seção é apresentado o caso da Casa Butantã do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, onde é possível compreender a relação do Brutalismo Paulista e o Design de interiores, constatada por meio do mobiliário interno, disposição estrutural das paredes, e organização dos espaços.
A residência Butantã foi desenvolvida em dois pavimentos, sendo que o térreo abriga espaços como garagem e piscina, enquanto que as atividades principais da casa são concentradas no segundo pavimento, estando espaços sociais e íntimos, os quais serão analisados neste trabalho através de um olhar voltado ao design de interiores, pensado pelo arquiteto de maneira integrada à arquitetura exposta em concreto aparente e em seus mobiliários fixos.
De acordo com Canez et. al (2013), o pavimento principal está organizado por três faixas paralelas, sendo que a primeira abriga a área social, voltada à rua; o íntimo e a cozinha localizam-se na área central e por último tem-se a área de estudo em uma faixa que se abre aos fundos. Tal distribuição é realizada não só pelas definições de paredes, mas também através da disposição de móveis em concreto aparente.
A divisão que Paulo Mendes da Rocha realizou para os ambientes de sua residência manifesta-se de maneira alheia aos padrões impostos pela sociedade burguesa da época e, não seria diferente com o mobiliário proposto pelo arquiteto: em concreto aparente, integrado à arquitetura, definindo todo o projeto de interiores da residência de maneira sólida, imutável.
Na área social da casa, tem-se bancos em concreto e uma mesa também fixa, próxima à cozinha. Além disso, são previstos armários embutidos que se distribuem ao longo de todo o espaço. O restante dos móveis é em sua maioria em madeira, compondo de forma equilibrada com o piso também em madeira, encerrando a frieza do concreto.
Na área intima, os quartos também possuem definidos espaços específicos para a instalação dos armários. Da mesma forma a cozinha é planejada através de bancadas fixas que distribuem os equipamentos de maneira linear e enxuta. Por fim, a área de estudo apoia-se sobre uma grande bancada criada pelo peitoril da janela que se estende por toda a fachada.
Todos esses ambientes são pensados para funcionarem da melhor forma possível, de maneira dinâmica. Os mobiliários fixos trazem consigo não só a praticidade para o dia-a-dia, mas também a definição dos ambientes sendo que a disposição de todos os demais mobiliários é dependente da existência dos primeiros.
O design de interiores na Casa Butantã é resultado de um projeto arquitetônico no qual o mobiliário fixo é adotado como ferramenta projetual, propondo espaços sociais fluídos internos à casa, privilegiando uma convivência coletiva. Os móveis em concreto parecem exercer uma função extra à sua funcionalidade, adquirindo também o dever de trazer sociabilidade para os espaços em que são inseridos.
O fato de os móveis serem fixos pode parecer impróprio ao ambiente doméstico, entendendo que a vida familiar é dinâmica. Porém, a proposta é justamente o encontro dos integrantes da casa nos ambientes que se cria através dos mesmos. Novos modos de morar e de usar a casa são propostos unindo arquitetura, design de interiores e mobiliário. Embora haja a contraposição da experiência modernista da planta livre, os mobiliários fixos trazem consigo uma crítica ao modo de morar da época, contra as “idiossincrasias da vida muito carregada de decoro burguês”, como diz o próprio arquiteto, em defesa do convívio da família, da comunidade.
O brutalismo paulista a que se insere a arquitetura dessa residência e sua preocupação com a questão social pode ter sido o mote para que o arquiteto tenha experimentado também o concreto aparente nos mobiliários, tornando-os mais acessíveis, e quem sabe, produzidos também em série juntamente com a estrutura da casa.
Tal decisão projetual parece sim ser carregada de um cunho social, transformando o design de interiores na defesa por uma vida mais justa para todas as classes.
A Casa Butantã é um exemplo prático de que o brutalismo pode ser aplicado em design de interiores com mobiliários fixos, concreto aparente, ambientes integrados e bem aproveitados. Pode-se notar que o brutalismo se fez presente externa e internamente, fazendo compreender assim que é possível também ser utilizado não somente na arquitetura, mas também no design de interiores.
Conclusão
Ao término deste estudo, foi possível compreender o que vem a ser design de interiores e como é a atuação do profissional designer, além da revisão bibliográfica do conceito de brutalismo no mundo e como deu início no Brasil e em São Paulo, por meio de estudo de caso da Casa Butantã.
É importante destacar que o Brutalismo Paulista remete às características nacionais, em contextos históricos e sociais da cidade de São Paulo, como é possível constatar na Casa Butantã, sendo as influências aprimoradas através de um caráter local à sua arquitetura.
O brutalismo no Brasil, que foi praticado por arquitetos nos anos 60, assumiu características formais e compositivas próprias, a ponto de conseguir afirmação como uma corrente arquitetônica autônoma e reconhecida. Um exemplar dessas obras é a Casa Butantã, onde foi possível verificar e entender os objetivos iniciais desse estudo: relacionar o designer de interiores com o brutalismo paulista.
Ambas as áreas possuem preocupações com o aproveitamento de espaço, projeções de acordo com as perspectivas dos moradores, ambientes integrados de acordo com usos e necessidades específicas do cliente, podendo ser para moradia ou uso comercial. No estudo de caso analisado, foi possível verificar o vínculo do design de interiores na escolha pelo uso dos móveis fixos, do concreto aparente, trazendo o novo estilo de moradias e modos de morar, integrando ambientes, aproveitando espaços, dentro do projeto realizado pelo arquiteto para Casa Butantã.
Enfim, foi possível alcançar o objetivo inicial do estudo, por meio da observação de diversos exemplos de mobiliários fixos projetados por Paulo Mendes da Rocha para sua residência, em concreto aparente, com ambientes integrados, podendo notar que o brutalismo também possui relação com design de interiores, estando, inclusive, em voga ao que hoje é conhecido como “estilo industrial”.
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Currículo das autoras
Franciane Schreiner da Mota
Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Metodologia de Projeto de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialista em Projetos e Obras Públicas de Edificações pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e Especialista em Projetos de Interiores e Iluminação pelo Centro Universitário de Maringá.
Larissa Siqueira Camargo
Doutoranda em Design pela Universidade Anhembi Morumbi. Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em arte educação, pela Faculdade Cruzeiro do Oeste, em docência do Ensino Superior, Gestão Educacional, e EAD e as tecnologias educacionais pelo Centro Universitário de Maringá. Graduada em Design de Interiores e Design de Moda, pelo Centro Universitário de Maringá