PREFÁCIO
A grave crise provocada pela Covid-19 entra em seu terceiro ano. O que aprendemos com essa experiência? Nada do que foi dito em seu primeiro momento, quando os sonhadores acreditavam que com ela se abria espaço para um mundo melhor. Hoje se sabe que, como consequência, obtivemos o crescimento da desigualdade, a exorbitância dos lucros das camadas mais abastadas, a redução do poder aquisitivo dos menos favorecidos e a ampliação do número de miseráveis. Concluiu-se que a vulnerabilidade de morbidade e de mortes na pandemia esteve e está grandemente relacionada com a pobreza. E me pergunto, o que nós, designers de interiores, podemos fazer diante de tal assombro?
Aos mais sensíveis, a crise corrobora para a compreensão da incerteza, da volatilidade e da ambiguidade de nosso mundo. E exige de nós, como categoria, cada vez mais, o desenvolvimento de novas habilidades para o alcance de soluções rápidas e eficazes pautadas na redução do consumo, na afirmação de valores menos fugazes e mais comprometidos com o bem comum. Criar ambientes mais simples, sem preocupação com a marca e que sejam socialmente orientados para cada comunidade. Parece simples, mas não é. São tantas as forças contrárias – o predomínio dos interesses privados sobre os comuns, a força do pensamento economicista, o persistente modelo de desenvolvimento baseado na degradação de recursos, o modo de vida dependente de um consumo exacerbado de energia e tantos outros aspectos da contemporaneidade que nos assolam.
Na área acadêmica, o que mais nos aflige é a visão e a prática do ensino como mercadoria. Esse o ponto contra o qual nos cabe insurgir. Não apenas porque distorce o campo do design de interiores, dificultando o seu processo de consolidação e de firmação de identidade, mas porque afasta os novos profissionais de nossa essência, fazendo com que percamos nosso valor como instrumento de melhoria da qualidade de vida da nossa população.
Por isso, cada vez mais se ratifica, em interiores, o papel da pesquisa para a consolidação de um corpo teórico próprio e como instrumento de fundamentação da prática profissional. Paulatinamente vamos vencendo obstáculos de modo a alcançar, nas novas gerações, aqueles que evidenciam interesse em transpor limites em seu aprendizado. Crescer e ir além.
Atingindo novos nichos e novos públicos, alargando horizontes, a etnografia surge como um viés de pesquisa para entender as culturas vivas, o comportamento e as decisões que embasam o uso dos espaços por nichos específicos da nossa população. Nas políticas públicas, a pesquisa etnográfica cria empatia com as pessoas, desenvolve uma atitude cidadã – a transformação das relações da pessoa com o estado, que possibilita a participação e a proatividade. Devemos isso à nossa gente.
A Intramuros é um grão de areia frente aos embates necessários. Mas milhões de grãos de areia juntos fazem uma praia e a possibilidade de uma praia de águas límpidas nos move. Na sua coluna do jornal O Globo de 24 de janeiro passado, Marcello Serpa relatou, citando a autobiografia do ator Will Smith, uma história cujo conteúdo nos cabe. Em resumo, o conceito era de que, para construir uma parede de tijolos de dimensões colossais, basta assentar o primeiro tijolo, depois o segundo e depois mais um. Ao focar a dimensão da parede, a tarefa é assustadora. Pensar apenas na colocação de um único tijolo é simples e exequível. Serpa finaliza: “A diferença entre o possível e o alcançável é só de atitude”. Então foquemos no que está próximo para ampliar a chance de mudança. Compreendamos o valor da diversão e do riso que conecta as pessoas, da experiência multissensorial que ativa o sistema límbico responsável por nossas emoções, da busca incessante do nosso cérebro pela organização, pela tatilidade que favorece o toque, o encontro, da biofilia que nos reconecta ao que somos. E deixemos de lado – que bobagem!, a criação de casas instagramáveis. Nem vale a pena comentar tamanha insensatez… há mais com o que nos preocuparmos. Busquemos com a nossa atuação a redução do impacto ambiental, a ressignificação dos espaços dos menos favorecidos, tratando a todos com dignidade. Façamos com que a pandemia produza um significado, pelo menos para a nossa categoria.
E sigamos em frente. Apresento hoje uma revista que se expande e amplia o seu repertório. Não sem antes agradecer aos membros do nosso Conselho Editorial responsáveis pela avaliação cega dos artigos recebidos, e que se mantém firmes nessa colaboração!
Na UNIDADE 1, os artigos científicos abordam aspectos múltiplos de interesse de toda a nossa categoria. Em Etapas típicas do trabalho de um designer de interiores, Paula Glória Barbosa nos orienta para as características prevalentes e sequenciais da atuação profissional, chegando até a avaliação pós-ocupação, instrumento ainda pouco usado. A esse trabalho se justapõe o artigo de Carla da Silva Bastos, As built (como construído) nos projetos de design de interiores, outra contribuição que amplia horizontes. A Biofilia: fundamento para novos projetos – tema de muito prestígio nos dias que correm, vem apresentado por um trio Ana Carla Fiirst dos Santos Porto e Nádia Mattos Melo, e a acadêmica Jucymaire Da Silva Castilho Uema. Raquel Ramos Silveira da Mota, nos traz A importância do branding sensorial no design de interiores comercial.
Cumprindo com o nosso objetivo de que o ABD Acadêmico faça uso dos espaços da revista Intramuros para mostrar o seu papel e a sua força, duas de nossas voluntárias integrantes da Equipe de Coordenadores Acadêmicos (ECoA) nos oferecem artigos substantivos: Maria Cláudia Vidal Barcelos escreve A semiótica plástica no design de interiores: a experiência vivenciada nos espaços culturais. Maria Laura de Almeida Camargos nos mostra o valor do Briefing como abordagem do idoso em design de interiores.
Na UNIDADE 2, inauguramos a partir deste número uma seção específica dos trabalhos vencedores do nosso concurso Láurea Máxima. Convidamos os estudantes das três categorias – nível superior bacharelado, nível superior tecnológico e nível médio técnico, a enviarem imagens e textos explicando os seus projetos.
Caroline Souza Costa, aluna do curso de Composição de Interior da Escola de Belas Artes da UFRJ, com o tema Ambiências poéticas: espaços de convívio de Faculdade de Letras, conquistou o primeiro lugar na categoria dos bacharelados. Sabrina Stefany Domiciano da Silva, aluna do Instituto Federal de São Paulo, campus Jacareí, ficou com o primeiro lugar no nível de cursos tecnológicos, com o tema Residência Paraíso: um estudo sobre ergonomia na residência de um casal de idosos. No nível dos cursos técnicos, a estudante Caroline de Souza Machado, da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha obteve o primeiro lugar com o projeto Café & Cultura.
Adiantamos que, a partir de 2023, apresentaremos os trabalhos não apenas dos vencedores, mas dos nove finalistas, três de cada categoria. Teremos assim oportunidade de ampliar sua visibilidade e evidenciar o melhor da produção acadêmica do país.
Em setembro de 2021, no meio da segunda onda de pandemia de Covid-19 que ainda nos constrange, realizamos o segundo Fórum Acadêmico DODIS, com o tema Interiores Diverso, o potencial da formação profissional. O evento teve grande sucesso, reunindo principalmente docentes e discentes, com o objetivo de instigar a reflexão corajosa sobre o cenário educacional na área de interiores, seus desafios e fragilidades. A ideia era estimular a busca de novos caminhos no multiverso do campo de interiores por todos os envolvidos. Dividido em quatro partes distribuídas em duas tardes, teve início com reflexões sobre o projeto e seu papel na formação dos estudantes, seguido de uma discussão com especialistas sobre os desafios do ensino à distância, dentro desta modalidade e também como prática remota emergencial implantada pelas contingências pandêmicas. No segundo dia, procuramos mostrar o valor da pesquisa na prática do design, e demos palavra a estudantes e egressos que puderam mostrar sua atuação além da sala de aula, assim como evidenciar novos rumos do campo.
As palestras do evento estão integralmente acessíveis no site da ABD, mas alguns de nossos palestrantes brindaram-nos com textos relacionados à essa participação no Fórum DODIS. Assim impressos, ampliam sua disponibilidade. E criou-se então a UNIDADE 3, com esse conteúdo.
Agradecemos a Sâmela Suélen Martins Viana, Anderson Diego da Silva Almeida, Paula Quinaud, Cléo Medeiros, Glaucus Cianciardi e Cláudia Ferrari. Somos gratas ainda a Carla Patocchi, Julia Pereira Soares e a Luiza Salgado Jericó, finalistas de edições passadas do Láurea Máxima, que discorreram sobre o trabalho de conclusão de curso.
Estamos felizes de trazer a público a quinta edição da Intramuros. Já imagino que, cumprindo este quinquênio, atingindo maturidade, possamos vislumbrar novos caminhos e novas ideias para 2023.
Boa leitura e uma reflexão profícua!
Nora Geoffroy
Presidente do Conselho Acadêmico da ABD
Janeiro de 2022.