Relações entre mídias, sociedade e as origens do design de interiores no Brasil
Autora
Paula Glória Barbosa
Resumo
O discurso propagandístico das décadas de 1930, 1940 e 1950, difundido por intermédio do cinema, da televisão, de jornais e de revistas, influenciou fortemente o surgimento do Design de Interiores no Brasil. Destacam-se, nesse interim, duas passagens: a propagação do American Way of Live em solo brasileiro através das lentes do cinema e a publicidade com enfoque na disseminação do uso de eletrodomésticos veiculada na televisão, em jornais e revistas. Do exposto, este artigo apresenta uma discussão sobre a relação entre o comportamento social que se experimentava nessas três décadas e a necessidade aliada ao desejo do brasileiro de ser e de se parecer moderno, o que revela extrema preocupação das pessoas com a aparência e se reflete no gosto pelo embelezamento e pela organização dos espaços residenciais. É nesse contexto que, no Brasil, nasce a atividade de Decoração de Interiores, posteriormente denominada Design de Interiores.
Palavras-chave: Design de Interiores; mídia; sociedade; origens.
Abstract
The propaganda discourse of the 1930s, 1940s and 1950s, spread through cinema, television, newspapers and magazines, strongly influenced the emergence of Interior Design in Brazil. In the meantime, two passages stand out: the propagation of the American Way of Live on Brazilian soil through the lens of cinema and advertising focused on the dissemination of home appliance use linked to television, newspapers and magazines. This article proposes to present a discussion about the relationship between the social behavior that was experienced in these three decades and the need allied to the desire of the Brazilian to be and to look modern, which reveals extreme concern of people with the appearance and is reflected in the taste for beautification and organization of residential spaces. It is in this context that, in Brazil, the interior decoration activity was born, later called Interior Design.
Keywords: Interior Design; media; society; origins.
1. Considerações sobre a origem do Design de Interiores no Brasil[1]
A sociedade ocidental capitalista passou por um profundo processo de transformação nas primeiras décadas do século XX. Destacaram-se, nesse processo, os avanços no campo das ciências e das tecnologias, o surgimento e a afirmação da energia elétrica como principal combustível e a transformação nas relações de produção a partir da lógica de uma sociedade de consumo (SANTOS, 2009).
A consolidação estadunidense como potência mundial bélica e também econômica, aliada à – ou em função da – conjuntura de então, fez com que tal país norte-americano, por meio da faceta cultural de seu imperialismo, sutilmente impusesse seus ideais de vida ao ocidente. Disseminou-se, por meio da cultura ianque – de que é exemplo o nominado “estilo de vida estadunidense” ou, como preferem alguns, American Way of Life –, o padrão de consumo dos Estados Unidos da América para os países de seu bloco econômico, do que não escapou o Brasil.
As novas concepções de mundo oferecidas pela cultura norte-americana foram “introjetadas” na sociedade por meio de um sistema de divulgação propagandístico cujo discurso explorava os ideais de velocidade, conforto, modernidade e praticidade como fontes de felicidade e prosperidade (SANTOS, 2009). Nesse contexto, “(…) a expansão dos meios de comunicação também contribuiu com as mudanças nos modos de vida, promovendo, no Brasil, a cultura consumista adotada nos Estados Unidos” (MOREIRA, 2006, p.47).
Se também a cultura dos Estados Unidos era um importante produto de exportação, foi ela um dos principais fatores determinantes da chegada, em solo brasileiro, dos novos produtos de consumo, os made in USA.
Também por mimetismo – mas, igualmente, frise-se, pela justa busca por praticidade e conforto, que eram reais, e não apenas ilusórios –, passou-se, no Brasil – em especial nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo das décadas de 1930, 1940 e 1950 – a ansiar não só a cultura estadunidense: os produtos industriais norte-americanos, aí incluídos os então recentes eletrodomésticos, passaram a ser objeto do desejo dos lares em que se podia arcar com esse futuro, que à época se fazia concretamente presente (DANTAS; NEGRETE, 2015; MOREIRA, 2006).
Referido contexto profuso de artefatos, móveis e eletrodomésticos, somado à valorização da vida social que se aflorava nesse período, acarretou a transformação dos espaços do lar, em que as relações pessoais e as práticas se tornaram radicalmente diferentes de épocas anteriores (MOREIRA, 2006; SANTOS, 2009). O ambiente doméstico, por isso, necessitou ser adaptado a esses novos objetos e costumes, de modo que os mesmos, da melhor e mais natural forma possível, integrassem na moradia.
Por outro lado, diante do anonimato característico da vida moderna, a cultura material (roupas, móveis, decoração, entre outros) passou a representar uma estratégia de identificação, revelando extrema preocupação dos indivíduos com a aparência (MOREIRA, 2006). O que se consumia (mercadorias e hábitos) tornava-se fator de diferenciação, de expressão de uma individualidade ou personalidade, ocupando a posição de símbolo e constituindo-se em código passível de interpretação e complexo de significação (CARDOSO, 2008; SCHNEIDER, 2010).
Embora houvesse recursos alternativos para o aprendizado sobre as tendências de composição dos interiores – como reportagens e propagandas veiculadas em revistas especializadas no assunto –, a presença, na década de 1950, de um profissional que considerasse em projeto os aspectos técnicos e estéticos da composição se tornou mais requisitada. Surgiu, assim, a demanda por um profissional que soubesse planejar os interiores domésticos, de modo que o antigo de então recebesse, harmônica e funcionalmente, o novo daquele tempo (DANTAS; NEGRETE, 2015; MOREIRA, 2006).
De início, dada a novidade da ocupação cuja essência e demanda passavam a se desenhar, tal atividade era desenvolvida substancialmente por arquitetos, artistas e pessoas de “bom gosto”, obviamente não por quem se dedicasse profissional e exclusivamente à tarefa, então denominada Decoração (DANTAS; NEGRETE, 2015; MOREIRA, 2006).
O significado do termo decoração está intimamente associado à arte de ornamentar, adornar, embelezar, enfeitar (HOUAISS, 2019). No entanto, naquele contexto da vida moderna, além da preocupação com a aparência existia a necessidade de se planejar o uso e a ocupação dos espaços habitados da cidade, com o intuito de facilitar a prática das atividades cotidianas em virtude da maneira cada vez mais dinâmica de se viver. Tais atribuições passavam a fazer parte do rol de atividades da profissão que se originava e se consagrava na figura do decorador de interiores.
No processo de desenvolvimento da Decoração de Interiores no Brasil, duas são as passagens que nos elucidam sobre a sua gênese: 1) a propagação do American Way of Live em solo brasileiro através das lentes do cinema que reproduziam as produções hollywoodianas; e 2) a publicidade veiculada na televisão, em jornais e revistas que contribuiu para a disseminação do uso de eletrodomésticos a partir da construção do imaginário coletivo sobre o ideal de mulher, aquela que cuida dos filhos, do marido e da casa.
Do exposto, este texto apresenta uma discussão sobre a relação entre mídias, o comportamento social que se experimentava nas décadas de 1930, 1940 e 1950 no Brasil e o surgimento da atividade de Decoração de Interiores, posteriormente denominada Design de Interiores.
[1] Trechos deste tópico foram publicados pela primeira vez em 16 out. 2014, em BARBOSA, Paula Glória. Design de Ambientes – Breve histórico, definições e considerações. Disponível em: https://designerpaulooliveira.com/2014/10/16/design-de-ambientes-breve-historico-definicoes-e-consideracoes-2/. Acessado em: 15 jan. 2020.
2. O American Way of Life, o cinema hollywoodiano e a Decoração de Interiores
Foi em 1896 que o cinema chegou ao Brasil. Nos anos 1930, registrou-se um aumento significativo do número de casas exibidoras das produções cinematográficas, configurando-se, como acontecimento social, o ato de ir ao cinema. O decênio de 1940, nesse processo histórico, presenciou uma “invasão” de filmes ianques sem precedentes. É que Hollywood já havia se estabelecido, desde o pós Primeira Guerra Mundial, como indústria de entretenimento e, por meio de seu sistema estúdio (modo de produção estabelecido para a feitura de filmes), seu star-system (sistema de mitificação de atores e atrizes) e seu Código Hays (código regulador de mensagens veiculadas nos filmes que conseguia manter a harmonia entre Hollywood e as instituições guardiãs da moral da sociedade norte-americana), criava e vendia, através de suas produções, histórias de sonhos que se traduziam como uma suave impressão de realidade (ARAGÃO; ARAGÃO, 2006; GONÇALVES, 2015.).
Milhões de brasileiros, como também milhões de pessoas nos outros quatro cantos do mundo, foram, como dizem alguns, “americanizados” por intermédio dessa ilusão de que os filmes reproduziam uma realidade. E passaram a se projetar nessas narrativas cinematográficas, a se espelhar em seus personagens e a desejar, para as suas vidas, o que assistiam nas telas dos cinemas.
Trata-se de um estilo de vida norte-americano – o American Way of Life – em que se valorizava e se pregava a exaltação da ordem, da racionalidade, do trabalho duro; o pragmatismo, o otimismo, o patriotismo e o consumismo. Nesse ideal de vida, o nível de felicidade de uma pessoa poderia ser medido pela quantidade de bens que ela conseguisse adquirir (GONÇALVES, 2015; SEIFFERT, 2013).
Nesse contexto, o cinema configurou-se como uma grande mídia de comunicação que exercia forte influência na divulgação desse estilo de vida. “As informações sobre esse modo norte-americano de estar no mundo nos eram dadas tanto no roteiro dos filmes, nas falas dos personagens, em suas atitudes, como também na própria organização da imagem exibida, nos enquadramentos, na montagem, na mise-en-scène” (Gonçalves, 2015, p.2).
No que se refere aos lares brasileiros, esse processo foi responsável por influenciar o gosto dos habitantes das grandes cidades pela decoração dos espaços residenciais. É que inúmeras produções cinematográficas dos anos 1930 apresentavam seus personagens vivendo em apartamentos com elaborada decoração de interiores, dispondo de móveis modernos e arrojados, indicando um estilo moderno de moradia (Gonçalves, 2015).
Como exemplo do que se pontua, apresenta-se o trecho de um artigo do periódico O Cruzeiro, de 28 de fevereiro de 1931:
Hollywood vae ganhando, entre outras supremacias incontestaveis, a de se estar tornando o grande dictador do mundo, em materia architectonica. Tal é, pelo menos, a opinião dos directores dos studios, baseadas nas inumeras cartas que todos os dias recebem de constructores, pedindo-lhes planos e especificações de scenas de interior que appareceram em varias producções. Sobre cada duzia de films que se lançam, nove pelo menos apresentam idéas novas em materia de construcção e decoração de casas e essas idéas, copiam nas, em seus proprios lares, os frequentadores dos cinemas.
Aliado à indiscutível influência cinematográfica, era perceptível, nos anos 1930, uma vontade coletiva de transformação do Brasil em uma nação moderna, em todos os sentidos possíveis – seja na produção industrial, nas artes, no vestuário, no comportamento. Há, também nesse período, um intenso processo de urbanização das cidades, em que os arranha-céus foram postos como ícones do progresso. A área habitacional, nesse contexto, presenciou uma mudança de paradigmas em relação às construções, e os prédios de apartamento passaram a ganhar espaço na preferência da população, de modo que habitar um arranha-céu tornara-se fator de status social (BAMMANN, 2013; GONÇALVES, 2015).
Como que reforçando esta situação, os apartamentos são o ambiente onde se desenrolam grande parte das histórias narradas pelos filmes de Hollywood apresentados às platéias brasileiras da época. Além disso, Hollywood passa a ser vista, nos anos trinta, como fonte de inspiração para projetos arquitetônicos e de decoração (GONÇALVES, 2015, p.11).
O vizinho de rua, então, passa a ser vizinho de porta, dividindo uma mesma estrutura arquitetônica, muitas vezes igualmente distribuída e, outras tantas, com configuração espelhada. Vestir a casa, assim como vestir o corpo, passa a ser “necessário”. Uma questão de identidade, identificação e diferenciação que, somado ao desejo de ser moderno, determinava forte preocupação com a aparência do lugar. Diante das novas práticas sociais que se estabeleciam, o lar passou a ser espaço de convívio social, deixando as portas da casa abertas ao olhar e ao julgamento do outro, reforçando ainda mais a preocupação das pessoas com a decoração dos interiores (DANTAS; NEGRETE, 2015; MOREIRA, 2006).
Como não era natural às pessoas tal prática decorativa, e como era preciso ter bom gosto e bom senso para dispor mobília e determinar composições de cores, texturas e volumes, os mais abastados puderam desfrutar dos serviços de decoração de interiores oferecidos por aqueles que tinham tal capacidade. Inicialmente, arquitetos, artistas e pessoas de bom gosto assumiram referida função, o que, mais tarde, ficaria a cargo dos decoradores de interiores (DANTAS; NEGRETE, 2015; MOREIRA, 2006).
Deve-se saber que, durante a década de 1950, cresceu o interesse pela prática e profissionalização dessa atividade, cujos profissionais recebem por responsabilidade de interferir nos ambientes da habitação, para promover novos modos de vida adequados ao ideário da modernidade vigente (MOREIRA, 2006, p.35).
3. O discurso publicitário e a reconfiguração dos interiores domésticos
Predominaram, no cenário social das décadas de 1930, 1940 e 1950, os campos da mulher doméstica, dona de casa e mãe de família, em que maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina, sem possibilidade de contestação. O campo da mulher doméstica diz respeito aos serviços realizados no lar: limpar (faxineira) e cozinhar (cozinheira); a dona de casa, por sua vez, refere-se à responsável por gerir a casa, cuidar do lar, decorar, receber visitas; já a mãe de família cuida do marido e dos filhos e se distingue da dona de casa por seus cuidados serem restritos ao bem-estar da família (FADUL, 2009; OLIVEIRA; ROCHA, 2015).
Os lares, pois, eram – ou pelo menos deveriam ser, segundo imaginário coletivo vigente – repletos de equipamentos – elétricos ou não – que auxiliassem a mulher em seus afazeres domésticos, de modo que a velocidade proporcionada por tais equipamentos fosse suficiente para sobrar-lhe tempo para se dedicar às suas crianças e ao seu marido. Pode-se dizer, nesse sentido, que o surgimento do lar moderno foi, também, uma consequência da entrada dos eletrodomésticos no cotidiano das famílias (FADUL, 2009; SANTOS, 2009). Essa “entrada”, por sua vez, foi estrategicamente influenciada pela propaganda e pela publicidade[2] veiculada em jornais e revistas de então, somado, a partir do ano de 1950, pela veiculada na televisão.
No contexto da construção do imaginário coletivo sobre o ideal de mulher no Brasil das décadas de 1930, 1940 e 1950, a publicidade tornara-se propaganda, contribuindo para a difusão desse ideal. A estratégia publicitária se detinha, sobretudo, a apresentar visões de mundo ou recortes da realidade sob a ótica do universo do anunciante. Essa representação, capaz de converter seus conteúdos em sonhos e verdades, permite que a publicidade transforme objeto em signo, convide o espectador a consumir sentido e corrige o simples consumo, dando significação ao comprar.
Consumir, nesse cenário – que não é muito diferente do que hoje vivenciamos[3] –, passa a configura-se como um ato de lazer e liberdade para as famílias (SEIFFERT, 2013). O objeto a ser consumido não é posto como utensílio de um serviço, mas como a chave que abriria a porta das pessoas – no caso das mulheres mães de família, donas de casa e domésticas – para o sucesso (BAMMANN, 2013).
Os jornais tiveram grande importância na veiculação dos bens de consumo. Nos espaços de classificados e também em anúncios espalhados por suas páginas, mostravam produtos inovadores, com características adequadas às necessidades da família da classe média brasileira que adaptava-se às transformações. O Jornal O Globo, por ser de grande circulação no período, reflete a história desse contexto. Em matérias, colunas, classificados e anúncios, apresentava a modernidade traduzida em um conjunto de ideias e bens de consumo – principalmente para a mulher. (…) Nas representações presentes em diversos veículos de comunicação do início do século XX, os valores, as ideias, as práticas e os hábitos femininos eram, também, um objeto específico de discussão em matérias, colunas, imagens e anúncios publicitários. Foi lendo as seções femininas do Jornal O Globo, que milhares de leitoras acompanharam as tendências da moda a cada estação e discutiram os bons modos das moças em casa e nos espaços sociais (OLIVEIRA; ROCHA, 2015, p.5).
Assim, os objetos elétricos foram decodificados como signos da velocidade e da modernidade, comunicando às mulheres a ideia de que era necessário modernizar o lar. Nesse sentido, a geladeira, a máquina de lavar roupa, o rádio transistorizado, o liquidificador e a batedeira proporcionaram uma revolução na vida doméstica (BAMMANN, 2013; MOREIRA, 2006; SANTOS, 2009).
Aliado ao processo de verticalização das cidades e da já existente preocupação das pessoas com a aparência, a diversidade de produtos industrializados e o aumento do ritmo de vida contribuíram para a imposição da necessidade moderna de organização dos espaços domésticos (MOREIRA, 2006; SANTOS, 2009), abrindo espaço e criando demanda para a atuação do decorador de interiores: especialista em planejar a estética e a função dos interiores domésticos.
[2] Cabe, neste ponto, diferenciar mencionados termos: a publicidade responde pela “prática discursiva de um corpo social organizado comercialmente”, enquanto a propaganda “se organiza fundamentalmente na instância ideológica da sociedade, busca precisamente esta eficácia e, por conseguinte, tem seu interesse, objetivos e recursos muito menos explícitos para o corpo social” (SEIFFERT, 2013).
[3] A forma como encaramos o consumo hoje – atrelado a um ideal de felicidade, ao entretenimento, ao prazer, a uma prática social – é, dentre outros, consequência das grandes transformações mercadológicas experimentadas na transição do século XIX para o século XX. Até então, a experiência de compra estava relacionada à real necessidade, contexto em que os bens de consumo duravam mais do que as pessoas e eram herdados por gerações; os lugares de comércio eram lugares de trocas; o saber vestir, saber organizar e decorar a casa, o saber se portar eram conteúdos transmitidos por, dentre outros, costureiros e estofadores. Ocorre que, com o advento da industrialização – e, nesse mesmo contexto, o advento da facilidade de reprodução da imagem (fotografia) e da imagem em movimento (cinema) – tornou-se necessário escoar a produção. Maior quantidade, facilidade de acesso, igualdade de oportunidade; a ideia de materialização da felicidade em bens de consumo (objetos) constituiu-se em força motriz para o estabelecimento de uma sociedade de consumo de massa. Desejar, admirar, adquirir e usufruir bens de consumo se mostrava tentador e, ao mesmo tempo, moderno. Tal discurso – e tais atitudes – são a base de um consumo caracterizado como entretenimento, prazer, cultura (ROCHA; AMARAL, 2009).
4. Considerações finais
No Brasil, a primeira metade do século XX vivenciou significativas transformações socioeconômicas, em que se destacam a ascensão da classe média, o crescimento urbano, a industrialização, o aumento e a diversidade da produção, a ampliação dos postos de trabalho em virtude do aumento de possibilidades educacionais e profissionais, o ritmo de vida acelerado e a verticalização das cidades, a expansão do acesso à informação, ao lazer e ao consumo, o Modernismo (mudanças de comportamento e veiculação de novas ideias nos âmbitos das Artes Plásticas, Literatura e Arquitetura), o crescimento de jornais e revistas e o surgimento do cinema e da televisão.
Todo esse contexto contribuiu para o surgimento da atividade de Decoração de Interiores, posteriormente denominada Design de Interiores. Neste artigo, evidenciou-se a relação entre mídias, sociedade e referida gênese a partir da ideia de que o discurso propagandístico dos anos 1930, 1940 e 1950, difundido por meio do cinema, da televisão, de jornais e de revistas, influenciou o comportamento social de então, contribuindo para a construção da necessidade e do desejo do brasileiro de ser e de se parecer moderno; em outros termos e grosso modo, de ter o seu apartamento como os apartamentos dos personagens hollywoodianos e de possuir os fascinantes eletrodomésticos em suas casas.
Como efeito, revelou-se extrema preocupação das pessoas com a aparência de seus lares, refletindo no desejo pelo embelezamento e pela organização dos espaços residenciais e demandando por decoradores para orquestrar cores, texturas, formas, volumes, materiais, móveis, adornos, obras de arte e tecnologias que expressassem modernidade.
Referências
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Currículo da autora
Paula Glória Barbosa
Doutoranda em Design pelo PPGD da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais. Também é graduada em Decoração, especialista em Design de Móveis e mestre em Design pela UEMG. Desde abril de 2016 é professora do Instituto Federal de Minas Gerais. De 2007 a 2016, foi professora do curso de Design de Ambientes da UEMG, e de 2015 a 2016, do curso de Design de Interiores do Centro Universitário UNA.