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A análise discursiva e a identidade do cliente

A análise discursiva e a identidade do cliente

 

Autor

Prof. Esp. Neandro Nascimento

Resumo

O propósito deste artigo é identificar, nos princípios e conceitos da linguística, em especial, na análise discursiva, recursos para o reconhecimento de aspectos da identidade do cliente, a partir da entrevista pertinente à etapa de levantamento de dados, com consequente elaboração do briefing e desenvolvimento do projeto. O domínio dessa análise pode configurar relevante recurso para a representação do eu em projetos de Design de Interiores, agregado à relevância do bem-estar, conforto, saúde e segurança. A aplicação prática deste recurso, é exemplificada e apresentada neste artigo, em um estudo de caso.

Palavras chaves

Análise do discurso; Design de Interiores; Linguística.

Abstract

The purpose of this article is to identify, in the linguistic principles and concepts, especially in the discursive analysis, resources for the recognition of aspects of the client’s identity, from the interview pertinent to the data collection stage, with the consequent elaboration of the briefing and project development. The domain of this analysis can be a relevant resource for the representation of the self in Interior Design projects, adding the relevance of well-being, comfort, health and safety. The practical application of this resource is exemplified and presented in this article, in a case study.

Keywords:

 Discourse analysis ; Interior design; Linguistics.

Introdução

A relevância deste artigo se dá pelo fato da transformação dos indivíduos em função das novas diretrizes mundiais, que vem intervindo nas ideologias e comportamentos dos indivíduos, via tendências, tecnologias, estímulos perceptivos, informacionais e culturais, multimeios e relações interpessoais, gerando significativa e constante reconstrução do sujeito contemporâneo.

As práticas projetivas, em Design de Interiores vêm necessitando de configurações que representem, de maneira cada vez mais satisfatória, as identidades de quem usa os espaços, respeitando a multifunção, inerente ao múltiplo uso, e, em alguns casos, a várias gerações, uma vez que os espaços são utilizados por indivíduos de idades e gerações distintas.

Tem-se ciência, de que usuários de um espaço, podem idealizar ambientes a partir do que é visto, lido ou ouvido, inclusive, a partir de discursos construídos nas relações sociais cotidianas. Segundo Eni Orlandi, o discurso é o “lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia, tomada esta não como ocultação, mas como funcionamento estruturado pelo modo de existência da relação língua-sujeito-história” (ORLANDI, 2005, p. 81-82). Soma-se a isso, as relações com a internet, com as redes sociais e demais recursos midiáticos, permitindo acesso a qualquer tipo de (in)formação quase que instantaneamente.

Percebe-se, portanto, que as práticas projetivas caminham, a par e passo, com as práticas discursivas que surgem nos multimeios de comunicação e linguagem, inerentes às relações sociais do cotidiano, influenciando, direta ou indiretamente, na representação da identidade daqueles que utilizam os espaços interiores.
É da compreensão de qualquer profissional do design de Interiores, que conhecer o cliente, seus hábitos e costumes, é fundamental para o desenvolvimento do projeto.

O momento para o reconhecimento dessas necessidades, como também deve ser de conhecimento dos profissionais desta área, é a entrevista com o(s) cliente(s). Item este, pertinente à etapa de levantamento de dados. Daí a relevância da análise discursiva e sua coadjuvância na relação profissional entre designers e seus clientes

A Análise do Discurso (ou Análise de Discursos) é uma ciência que consiste em analisar a estrutura de um texto e, a partir disto, compreender as construções ideológicas presentes no mesmo.
(http://blog.editoracontexto.com.br/o-que-e-analise-do-discurso/)

No momento em que se realiza uma análise eficaz sobre os resultados de falas, por um ou mais sujeitos que participam da ação projetual, no ato da entrevista, o profissional passa a se aproximar da excelência dos resultados, do produto final, em design de interiores. Concomitantemente, deve preservar as análises sobre a problemática intrínseca ao desenvolvimento de projetos de Design de Interiores, primordialmente relacionada a sua etapa inicial de levantamento de dados e construção de briefing, para Alain Touraine (2006), sociólogo francês voltado para o estudo dos movimentos sociais, o processo de subjetivação é “a construção, por parte do indivíduo ou do grupo, de si mesmo como sujeito”(p. 166).

Portanto, é considerado aqui, como sujeito, aquele que é passível de predicações ou que discursa sobre suas ações, comportamento e perfil, com base em sua construção histórica de vida, expressando-os em caráter real ou simbólico.
A subjetivação, pode ser definida, simplesmente, como o processo de tornar-se sujeito.

O sujeito que recebe influência direta ou indireta de outros sujeitos, ao longo de sua construção histórica de vida, e se permite assumir novas predicações, refletindo em novas ações, comportamento e perfil, se reconfigurando em um novo contexto ideológico, é determinado, aqui, como assujeitado.

O assujeitamento ideológico consiste em fazer com que cada indivíduo seja conduzido a constituir uma espécie de renovação constante de si, se identificando com grupos ou classes de uma ou mais formações sociais, sem que tenha, necessariamente, consciência sobre esse assujeitamento, iludido pelo sentimento de que é dono de suas vontades (UYENO, 2006, p.267) .

Há um princípio na análise de discurso que afirma que “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia”. É desse modo que a análise de discurso trata do assujeitamento, ou seja, do fato de que o sujeito está sujeito à (língua) para ser sujeito da (língua). […]Ele, o sujeito, não poderia ser a origem de si. (Orlandi, 2007)

As observações, aqui referenciadas, tem por base os pensamentos de alguns expoentes da Análise Discursiva, reiterando a importância do caráter sócio-cultural e informacional da análise e da formação discursiva, propondo um estímulo à reflexão sobre a Análise do Discurso aplicada à metodologia de projeto em Design de Interiores.

Serão tratadas, neste artigo, as relações de poder dos discursos sociais e sua influência na construção dos indivíduos de uma sociedade, na contratação de serviços em Design de Interiores.

O novo sujeito contemporâneo

Comumente, em entrevistas com clientes, designers se deparam com solicitações de soluções projetuais que não refletem as ideologias dos mesmos. Estas últimas notadamente constituídas pela influência alheia às suas reais necessidades e condições, inclusive, financeiras.

Em pesquisa, junto aos profissionais do mercado de Design de Interiores, em Fortaleza-CE, foi relatada a detecção, a partir de entrevistas com clientes, de relevantes vestígios da constante necessidade do indivíduo em se inserir em contextos socioeconômicos-culturais que não necessariamente o representa, gerando o processo de desidentificação, (abandonando particularidades que definem quem ele realmente é) e reidentificação (incorporando características distintas à sua identidade, se reconhecendo em um novo contexto) sob uma nova formação discursiva, interferindo nos resultados projetuais.

Os meios de comunicação e as relações interpessoais já não configuram os principais agentes deste processo, as mídias e as redes sociais, por exemplo, têm exercido proeminente papel na ação da reidentificação.

A pandemia fez com que as pessoas ficassem reclusas em suas casas, trabalhando, estudando e recebendo informações diversas à distância, redesenhando comportamentos de forma significativa. As ações decorrentes de mídias e redes sociais acabaram por influenciar as pessoas, principalmente com as lives, stories, webinars e demais postagens, em suas diversas modalidades, no que tange o reforço das influências nos assujeitamentos em diversos níveis sociais.

Essas práxis, em meio ao período pandêmico, gerou uma reordenação reflexiva para os atos do morar, estudar, trabalhar e viver os espaços interiores, resultando em uma necessidade de um empenho extrínseco ao habitual na análise dos indivíduos para o ato de projetar. Indivíduos estes, assujeitados por outros sujeitos, movidos por novos conceitos e por um novo momento.
A identificação do novo sujeito contemporâneo se torna fundamental para a prática projetual e seus resultados.

A análise discursiva se apropria dos princípios de constituição do sujeito, baseados nos conceitos foucaultianos e lacanianos, por exemplo, agregando o caráter contributivo das diretrizes filosóficas e psicológicas, respectivamente, que discorrem sobre a construção do sujeito, bem como sua reconstrução, ao longo da vida e de seu reposicionamento social.

Tomando por base, tais diretrizes, objetivando a aplicação dos conceitos, direcionados à aliança das análises discursivas com o Design de Interiores, de forma leve e simplificada, poder-se-ia, por exemplo, considerar que  “uma das formas de constituição dos indivíduos em sujeitos seria através da identificação e oposição (FOUCAULT, 1995, p. 234)”[1]. Ou seja, em um processo de reconstituição, de indivíduo ou grupo de indivíduos, se há identificação com o discurso, consequentemente há permissividade para o assujeitamento, gerando a reidentificação. Caso haja oposição ao discurso, o sujeito se mantém conciso em suas convicções.

Ainda de forma objetiva, direta e minimalizada, sobre a construção do sujeito, com base nos estudos da aliança entre a psicanálise e a linguística, do psicanalista Jacques Lacan, o eu é produzido a partir da imagem do outro, no que ele nomeia “estádio do espelho” (LACAN, 1998)[2].

Esses pensamentos podem ser direcionados para a relação designer/cliente, onde a força do discurso do profissional, pautado na análise eficaz sobre o contemplado na entrevista com o cliente e consequente briefing, encontra a identificação com o que foi idealizado pelo contratante.

O indivíduo contemporâneo se tornou passível de ressignificação, predisposto às influências sócio-culturais e econômicas, advindas de multimodos de comunicação e linguagem, culminando na análise discursiva deste indivíduo contemporâneo, que se anuncia como sujeito que é, ou sujeito que almeja ser, em suas ideologias e representações.

Uma das vertentes da análise do Discurso é o discurso estético, que se dá através de imagens, influenciando o indivíduo através de sua sensibilidade, que também está ligada ao seu contexto. A sensibilidade do ser é definida a partir do que se considera importante pelos anos de sua vida.

Além disso, o discurso estético tem a mesma capacidade ideológica que o discurso verbal, porém, devido à sensibilidade deste formato discursivo, pode-se atingir muito mais rapidamente e assertivamente o sucesso do discurso aplicado. (http://blog.editoracontexto.com.br/o-que-e-analise-do-discurso)

O novo sujeito contemporâneo

Ao longo de nossa história, de nossa construção como indivíduo componente de uma sociedade, passamos por formações, construções de caráter e personalidade, nos meios onde somos inseridos, desde o nosso nascimento, com início no meio familiar, concomitantemente às inserções em outros meios (escolar, religioso, social, por exemplo). É nessa conjuntura que construímos, também, nossas ideologias.
Para Michel Pêcheux (2014), as ideologias não têm origem no sujeito, mas são forças materiais que constituem os indivíduos em sujeitos (p. 120).

No entanto, à medida que os indivíduos se permitem à sua própria reconstrução em novos sujeitos, cedendo aos modismos e novas imposições sociais ou mercadológicas, abdicam de suas identidades originais, surgindo então um momento delicado para a atividade do designer, no reconhecimento do sujeito como ele é ou quem ele quer ser, momento no qual a representação passa a acontecer no âmbito do simbólico e o projeto passa a representar um ser fantasiado, idealizado, não real.

Considerando a formação discursiva, lugar de constituição do sentido e da identificação do sujeito, “é nela que todo sujeito se reconhece […] e, ao se identificar, o sujeito adquire identidade” (ORLANDI, 1988, p. 32), revisitada e reconstituída a cada intervenção sócio-cultural e informacional.

O profissional passa a estar diante, portanto, de um sujeito ou de um grupo de sujeitos não mais reconhecíveis em sua essência. Não se reconhece indivíduos com suas ideologias arraigadas, mas sim, representações de sujeitos assujeitados, o que pode interferir na excelência do resultado.

O produto do design é a representação do sujeito ou indivíduo solicitante do projeto, inicialmente, via representação gráfica. É a imagem, que representa e informa, em caráter não verbal, que grupo de indivíduos/sujeitos é aquele que usa, consome, veste, vive, esse produto/espaço.

Inerente ao processo metodológico, a construção dessa imagem se inicia pela análise do discurso de um indivíduo ou de um grupo, que será representado por essa imagem. Negar essa representação do cliente em seu universo simbólico pode levar ao fracasso na análise discursiva, desenhada a partir da entrevista inicial com o cliente e na consequente elaboração do briefing.

Se o reconhecimento das ideologias do sujeito se dá pelo discurso do indivíduo, a Análise do Discurso torna-se ferramenta fundamental, dentro da metodologia projetual do Design.

O discurso é moldado pela estrutura social, mas é também constitutivo da estrutura social. Nisso consiste a dialética entre discurso e sociedade. Portanto, há reforço teórico para as reidentificações dos indivíduos, implicando nas ações projetuais, já que o processo de representação das identidades nos espaços interiores deve ser o objetivo de quem projeta. “Entender o uso da linguagem como prática social implica compreendê-lo como um modo de ação historicamente situado, que tanto é constituído socialmente como também é constitutivo de identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença” (FAIRCLOUGH apud RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 26)[1].

Segundo John Brookshire Thompson (1998) , sociólogo, cujas principais áreas de pesquisa são teoria social e política contemporânea, sociologia da mídia e da cultura moderna, uma boa parte dos conhecimentos gerados pelos sistemas especialistas é veiculada na mídia e uma das características desta é a disponibilidade das formas simbólicas no tempo e no espaço. Isso significa também que as formas simbólicas veiculadas na mídia são desencaixadas de seus contextos originais e recontextualizadas em diversos outros contextos, para aí serem decodificadas por uma pluralidade de atores sociais que têm acesso a esses bens simbólicos. Thompson (1998, p. 45) esclarece também que “ao interpretar as formas simbólicas, os indivíduos as incorporam na própria compreensão que têm de si mesmos e dos outros, as usam como veículos para reflexão e auto-reflexão”.

Embora a difusão dos produtos da mídia seja globalizada na modernidade, a apropriação desses materiais simbólicos é localizada, ou seja, ocorre em contextos específicos e por indivíduos especificamente localizados em contextos sócio-históricos.

Nesse sentido, Thompson (1998, p. 158) chama atenção para as tensões e conflitos provenientes da apropriação localizada dos produtos da mídia na construção reflexiva de identidades: “com o desenvolvimento da mídia, indivíduos têm acesso a novos tipos de materiais simbólicos que podem ser incorporados reflexivamente no projeto de autoformação”.

As análises podem levar ao reconhecimento de uma espécie de eu platônico, elaborado ideologicamente, mas não reconhecido na realidade representada. Sendo assim, se constrói uma auto-recontextualização do indivíduo no meio social, onde o mesmo, enquanto cliente, passa a se reconhecer nesse contexto. Às vezes, temporariamente, interfere na metodologia projetual, já que este sujeito assujeitado pode assujeitar-se e se recontextualizar dentro do intervalo de tempo de desenvolvimento do projeto. Consequentemente, se reidentifica, gerando um novo discurso, de um novo sujeito, simbólico, e não mais se enquadra na perspectiva que antecede a fase final do projeto, comprometendo o resultado.

Um dos elementos que contra correspondem ou sustentam, ainda, um mínimo de discernimento entre alguns indivíduos é o tradicionalismo de alguns grupos sociais, que mesmo buscando reidentificar-se, na pós-modernidade e na contemporaneidade, carregam a bagagem do tradicionalismo em seus discursos.

O sociólogo Anthony Giddens (2002) destaca, principalmente, o impacto da modernidade sobre o social e a vida pessoal dos indivíduos. Defende a identidade como uma construção reflexiva, na qual se define o estilo de vida. Esse pensamento passa a incorporar um caráter conflitivo em sociedades tradicionalistas, onde se busca a modernidade, mas as escolhas são pré-determinadas pela tradição. Em algumas regiões do Brasil, por exemplo, tal situação é fato notório. No entanto, alguns aspectos da teoria giddeana foram criticados por Chouliaraki e Fairclough (1999), Castells (1999) e Lash (1997), dentre outros expoentes da sociologia e da linguística, pelo fato de não contemplarem o universo social excluído das redes de informação.

Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 126-7) ponderam que Giddens (1991) apresenta explicações generalizadas sobre a construção reflexiva do eu na modernidade tardia e privilegia uma posição social particular (branco, macho, de classe média), em vez de considerar que existem pessoas posicionadas muito diferentemente, de acordo com classe, gênero, cultura, idade ou geração, e, portanto, com diferentes possibilidades de acesso a tal construção reflexiva.

Projetando para o novo sujeito contemporâneo

A partir deste pensamento, pode-se ponderar outro aspecto conflitivo no sentido da reconstrução subjetiva de um indivíduo: se deseja, por exemplo, um projeto para seu novo eu, simbólico, que foi construído em meio tradicional conservador, mas vivencia um mundo onde se propõe o respeito pleno às diferenças.

Um projeto para este indivíduo deverá contar com a análise, minuciosa, de um profissional de Interiores. Este último, deverá encontrar o equilíbrio entre os princípios constituídos de uma nova sociedade, que determinará a atualização comportamental e estruturará a percepção de mundo deste novo sujeito, e o momento onde o conservadorismo e tradicionalismo, talvez arraigados em conceitos retrógrados de sua essência, determinam o extremo oposto, para que o resultado projetual seja eficaz.

Em um de seus projetos, os Designers de Interiores Neandro Nascimento (natural do Rio de Janeiro – RJ) e Rodrigo Veiga (natural de Belém – PA) – a indicação da naturalidade sublinha a necessidade de neutralizar o pensamento projetual, para que não haja superposição de culturas ou regionalismos, por parte de profissionais do Design – , mas atuantes no mercado cearense, desenvolveram um projeto para um cliente, separado de sua esposa, que dizia não ser mais o “marido submisso aos caprichos da esposa”, a qual lhe imputará sua identidade na casa, sobrepujando seus gostos e conceitos de morar. O projeto deveria representar esse novo momento de vida, de seu perfil, de sua percepção de casa.

Este mesmo cliente, registrará sua origem humilde, no interior do Ceará, e sua boa relação com a sua família, quando do momento da entrevista inicial. Determinou que desejava algo que representasse as referências das casas de interior (madeira, tons terrosos, taipa, latão, cobre) com materiais, revestimentos e equipamentos, levemente, sofisticados.

Este cliente enviava com frequência, imagens de itens presentes na internet, nas redes sociais que, em sua análise, caberiam ao projeto, dentro de seu perfil, considerando, inclusive, os custos de execução.

Essa prática denota uma possível busca por uma conexão subjetiva, em uma procura por identidade similar, dentro de um contexto de inserção social, mesmo que distante de sua origem, mas ainda sem desconexão com sua essência de “menino de interior”, como afirmou em um determinado momento da entrevista.

No entanto, algo na relação fez com que alguns elementos não fossem eliminados, como alguns móveis e alguns quadros, entre outros objetos. A memória afetiva é relevante.

A atenção aos atos de fala nos promove interpretar o que se deseja de fato e nos permite perceber o momento de expressão do eu real (solitário, carente de uma nova realidade) e do eu simbólico (o solteiro, feliz, desimpedido, sem saudades). Neste caso, em especial, ficou claro que a determinação para a permanência dos móveis, denunciava a preocupação com os custos, devido ao discurso de caráter frio. No caso dos quadros e objetos, o discurso emotivo com o embargo da voz, nos mostrava a afetividade pelos bons momentos vividos pelo casal, apesar da separação.

Imagens das salas, antes do projeto

Imagens das salas, antes do projeto

Imagem do projeto

Considerações finais

Estima-se que classe social, poder aquisitivo, gênero e idade tenham relevância na avaliação dos perfis de indivíduos que contratam serviços de designer. Portanto, cabe considerar as ponderações de Chouliaraki e Fairclough (1999), Castells (1999) e Lash (1997), mas sem deixar de avaliar o discurso do eu na contemporaneidade.

Castells (1999, p. 27), que discorda do caráter global do “planejamento reflexivo da auto-identidade”, postula que, exceto para uma elite, o planejamento reflexivo da vida torna-se impossível. Nesse cenário, a busca pelo significado da vida e pela auto-identidade ocorre no âmbito da reconstrução de identidades.

Sendo assim, o Designer passa a ser co-partícipe e um tradutor da reconstrução dessas identidades, uma vez que o espaço também representa, de forma relevante, a subjetividade do sujeito em suas reidentificações e ressignificações no mutante contexto social.

Dentre as especificidades das práticas discursivas, provavelmente haverá uma para o design e suas vertentes, pois, segundo Fairclough, cada prática discursiva é mediadora entre o texto e a prática social.

A proposta, portanto, é incorporarmos, enquanto profissionais de uma área que lida com multi e interdisciplinaridade, a análise discursiva, advinda dos estudos em linguística, que nos apresenta os caminhos das construções ideológicas em um texto e deve ser utilizado como um recurso mediador, entre o que é dito e escrito e a prática projetual, uma vez que o discurso, na entrevista com o cliente, se configura em representação verbal de quem o cliente é ou deseja ser e como ele quer ou deseja ser representado em seus ambientes, afinal, não podemos representar o que não conhecemos. Ou melhor, não podemos representar com o máximo de precisão o que não conhecemos profundamente.

1 Elzira Yoko Uyeno. Doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp.

2 Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês contemporâneo, tratou da linguagem como tema central do pensamento, principalmente no que concerne a relação desta com o sujeito, como evidenciada na sua obra As Palavras e as coisas.

3 Jacques Lacan (1949/1998) propõe que o estádio do espelho deve ser entendido como “uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando esse assume uma imagem.

4 Michel Pêcheux (1938-1983). Fundador da Análise do Discurso, que teoriza como a linguagem está materializada na ideologia e como esta se manifesta.

5 Norman Fairclough, um dos fundadores da análise crítica do discurso (ACD); Viviane Ramalho – professora do Instituto de Letras da UnB. Mestre e doutoranda em Linguística pela UnB; Viviane Resende – Doutora em Linguística (Linguagem e Sociedade) pela Universidade de Brasília (UnB).

Referências

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1.

CHOULIARAKI, L. & FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking Critical Discourse Analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.

LACAN, J.. O estádio do espelho como formador da função do eu. In: J. Lacan, Escritos. (V. Ribeiro, trad.; pp. 96-103). Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso – Princípios e Procedimentos – São Paulo: Pontes, 2007.

PÊCHEUX, Michel. Análise do Discurso. Textos selecionados por Eni Orlandi. Campinas: Pontes, 2011.

RAMALHO, V. C. S. Análise de Discurso Crítica, do modelo tridimensional à articulação entre práticas: implicações teórico-metodológicas. Linguagem em (dis) curso. Tubarão, v. 5, n. l, jul./dez. 2004, pp. 185-207.

RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane de Melo. Análise do discurso crítica. São Paulo: Contexto, 2006.

THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.

TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. Petrópolis: Vozes, 2006.

UYENO, Elzira. Da autonarração à escrita acadêmica: a constituição da subjetividade do aluno de cursos de especialização.In: CASTRO, S.T.R., E.R. da (orgs). Formação do profissional docente, contribuições em Linguística Aplicada. Taubaté: Editora Cabral, 2006.

Prof. Esp. Neandro Nascimento

Designer de Interiores formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – EBA/UFRJ, especialista em Ergonomia e Usabilidade, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ. Atua como designer, nas vertentes: interiores (residenciais e comerciais), gráfico (marca e sinalização), produto (mobiliário), em consultorias e projetos. Docente em cursos de Design de Interiores, Design Gráfico, Design de Moda, Arquitetura e Urbanismo, desde 2002. Atualmente colabora como Assistente no CAc – ABD.

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