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Briefing como abordagem do idoso em Design de Interiores

Briefing como abordagem do idoso em Design de Interiores

Autora

Maria Laura de Almeida Camargos

Resumo

As populações em todo o mundo estão envelhecendo de forma acentuada, impactando na relevância dos mais variados tipos de serviços voltados para a pessoa idosa. A partir das contribuições dos conceitos de envelhecimento ativo e design universal, um manancial de intervenções se descortina diante dos profissionais de design de interiores e estimula constante estudo e pesquisa acerca do processo de envelhecimento. Este artigo aborda o reconhecimento das demandas específicas dos idosos como diretriz principal para o delineamento dessas ações, ao reconhecer a pluralidade entre os idosos, não constituindo um grupo homogêneo. Discute a relação idoso-ambiente e o desenvolvimento da metodologia do briefing como importante ferramenta capaz de assegurar o acolhimento de tamanhas diversidades, ao fundamentar os projetos em um design inclusivo, favorecedores de um ambiente seguro, permeado por experiências de pertencimento e realização pessoal.

Palavras chaves:

Envelhecimento ativo – Design universal – Briefing – Design de Interiores

Abstract

Populations around the world are aging sharply, the need for the most varied types of services aimed at the elderly is growing in importance. From the contributions of the concepts of active aging and universal design, a wealth of interventions unfolds before interior design professionals and demands constant study and research on the aging process. This article addresses the recognition of the specific demands of the elderly as the main guidelines for the design of these actions, since it recognizes the plurality among the elderly, not constituting a homogeneous group. It discusses the elderly-environment relationship and the development of the briefing methodology as an important tool capable of ensuring the recognition of such diversities, by basing projects on an inclusive design, promoting a safe environment, permeated by experiences of belonging and personal fulfillment.

Palavras chaves:

Active ageing – Universal design – Briefing – Interior Design

Introdução

O envelhecimento populacional constitui uma das maiores conquistas da sociedade, mas enseja desafios inquietantes, pois produz intensas transformações econômicas e sociais.

O exame das estruturas etárias projetadas aponta que o índice de pessoas com mais de 60 anos deverá dobrar até 2050, e mais que triplicar até 2100 (WHO, 2018). A nova dinâmica demográfica, resultante do aumento da expectativa de vida e de baixas taxas de natalidade, reflete as inovações tecnológicas, os avanços da medicina e da indústria farmacêutica e melhores condições de saúde e higiene, dentre outros fatores. Como resultado, observa-se um índice maior de idosos vivendo cada vez mais, traços de uma longevidade que encontra sentido se legitimada por experiências de bem-estar e inclusão social. Entretanto, o cenário é complexo e até 2050, 80% dos idosos deverão se encontrar em países de baixa e média renda, sem acesso a recursos básicos que garantam dignidade e igualdade, problemática intensificada pela pandemia COVID-19, que dilatou as lacunas existentes nas políticas, sistemas e serviços.

O processo de envelhecimento é sistêmico, diverso e permanente. Ocasiona perdas biológicas, cognitivas e emocionais com intensidade variável entre os indivíduos, trazendo incapacidades funcionais e consequente isolamento social. Inseguros e cada vez mais dependentes de cuidados, os idosos mostram-se especialmente vulneráveis ​​na condição físico-social do uso dos espaços e adaptações ambientais se fazem necessárias, no intuito de construir maior convergência entre as necessidades individuais e as configurações do ambiente físico (ALBUQUERQUE et al., 2018). Atributos como autonomia, independência, segurança, acessibilidade, orientação, privacidade e controle pessoal podem encontrar-se significativamente comprometidos (WAHL; OSWALD, 2010). Um ambiente inadequado pode, muitas vezes, dificultar o exercício das atividades, gerando sentimentos de incapacidade e baixa autoestima no idoso.

Há que se considerar que o lugar onde as pessoas vivem e envelhecem evoca significados relacionados ao ambiente físico, psicológico e social, bem como aos aspectos culturais e políticos diretamente implicados nos processos adaptativos ao ambiente (COSTA et al., 2016). Como contribuição para o entendimento da complexa e dinâmica relação idoso-ambiente, a gerontologia, ciência que estuda o envelhecimento humano, enfatiza o papel crítico do ambiente na vida social dos idosos, ao propor e consolidar uma subdisciplina, a gerontologia ambiental.  Dedicada à compreensão das interrelações entre idosos e seu entorno socioespacial, busca explicar, modificar e aperfeiçoar os impactos causados pelo ambiente na vida das pessoas no decorrer do envelhecimento (BATISTONI, 2014). Essas referências são centrais à psicologia ambiental, objetivada na pesquisa da influência dos espaços no comportamento humano, seus significados e os processos psicossociais envolvidos. Assim, apreender as interações entre pessoa e ambiente em todas as suas espacialidades, das moradias aos espaços urbanos, em uma perspectiva dinâmica e interdisciplinar (CAMBIAGHI, 2017), conduz a reflexão para a subjetividade desvelada nessa relação (ELALI; CAVALCANTE, 2018).

É dessa forma que os fatores envolvidos na experiência do habitar das pessoas mais velhas vão além da configuração física do ambiente e traduzem uma relação dinâmica repleta de significados pessoais e sociais diversos, geradoras de segurança, conforto e bem-estar. Os projetos de design devem encontrar soluções que facultem a utilização de ambientes e produtos a todas as pessoas, criando espaços adequados, tendo em vista as suas diferenças (CAMBIAGHI, 2017). O reconhecimento de que não há um modelo único de ambiente já é um avanço na conscientização da existência das especificidades humanas, possibilitando estudos que permitam observar, analisar e registrar as demandas relacionadas a contextos variados, como o das pessoas que envelhecem (ALBUQUERQUE et al., 2018). Além disso, a acessibilidade aos ambientes construídos se coloca como essencial para uma sociedade inclusiva em que os projetos devem respeitar as características individuais, considerando as limitações como um direito de todos os indivíduos, uma mudança de paradigmas na concepção e na forma de projetar em um design cada vez mais inclusivo e universal (CAMBIAGHI, 2017).

Diante das demandas marcadamente específicas das pessoas mais velhas, torna-se imperativo permitir o engajamento do idoso em seu processo de envelhecimento, participativo na implementação de ações que possam contribuir para anos bem vivenciados. O envelhecimento ativo vem fundamentar essa reflexão, ao otimizar as oportunidades de saúde, participação e segurança, direcionadas à promoção de um envelhecimento com possibilidades de autonomia, independência e qualidade de vida (ALVAREZ-GARCÍA et al., 2018). Enfatiza-se que o enfoque do envelhecimento ativo não se restringe à capacidade de estar fisicamente ativo, mas implica na participação ampla na sociedade para todos aqueles que envelhecem, incluindo os frágeis e fisicamente incapacitados (OMS, 2005).

Essa ideia dialoga diretamente com metodologias de design de interiores que consideram a importância dos procedimentos de briefing como uma diretriz projetual fundamental, ferramenta da construção de um saber norteador de intervenções assertivas que fomentem bem-estar e realização pessoal para o indivíduo que envelhece. Este estudo se encontra ainda em fase inicial e considera que a pesquisa em torno da implementação de uma metodologia de briefing consistente e robusta precisa ser impulsionada. O artigo é concluído convidando os profissionais do campo a ampliar a perspectiva projetual e integrar em profundidade o olhar do usuário nas decisões de projeto. Na perspectiva do idoso, um design que não seja feito para os idosos, mas um design construído com os idosos.

Envelhecimento ativo

A alteração da pirâmide demográfica brasileira demonstra maior celeridade quando comparada ao contexto mundial. As projeções confirmam uma transformação nas relações entre o grupo economicamente ativo e as chamadas idades potencialmente inativas. No ano de 2000, para cada pessoa com 65 anos ou mais, aproximadamente 12 pessoas estavam na faixa etária ativa (15 a 64 anos); presume-se que esse número será reduzido para três pessoas em 2050 (IBGE, 2016). O segmento super envelhecido com idosos com mais de 80 anos cresce vertiginosamente, caracterizado pelo maior número de mulheres em relação ao contingente masculino, fenômeno intitulado feminização da velhice (MAXIMIANO-BARRETO et al., 2019).

É nesse sistema que o predomínio das doenças crônicas, múltiplas e não transmissíveis assume expressividade e passa a exigir novas estratégias de atenção ao idoso, como prioridade na saúde do país. Mais de 10% das pessoas com mais de 65 anos apresentam pelo menos cinco doenças crônicas concomitantes (VERAS, 2012). Ainda que as vulnerabilidades e incapacidades características das pessoas idosas cresçam de forma exponencial em um cenário complexo, vislumbram-se oportunidades de desenvolvimento social e econômico. Uma população mais envelhecida demanda a ampliação de ações capazes de garantir proteção jurídica e pessoal contra a violência, apoio à liberdade, direitos civis e inserção social, bem como a prevenção de doenças e inabilidades com o intuito de preservar o máximo de autonomia possível (DABOVE, 2017; VERAS; CALDAS; CORDEIRO, 2013). Para Alcântara (2016), o manejo dessas questões poderá advir de soluções em que o idoso protagonize seu processo de envelhecimento.

A estratégia do envelhecimento ativo faz frente a essa demanda, enquanto resposta global sistematizada pela Organização Mundial de Saúde, com o propósito de despertar o interesse das nações para o desenvolvimento de pesquisas e políticas que propiciem a inclusão social dos idosos (ALAVAREZ-GARCÍA et al., 2018). Objetiva manter a autonomia e a independência à medida que as pessoas se tornam mais velhas, de forma a garantir que o idoso permaneça ativo e que suas limitações naturais e funcionais não redundem na redução significativa de qualidade de vida (OMS, 2005).

Para Dawalibi, Goulart e Preado (2014), a noção de qualidade de vida está relacionada a aspectos fundamentais como autoestima e bem-estar pessoal, mediadas por experiências de independência, autonomia e capacidade de adaptação às mudanças em uma dimensão eminentemente humana. Diante de uma realidade crescente de idosos, muitos deles de baixa renda, dependentes e consumidores de uma parcela expressiva de recursos de saúde, exacerbam as demandas para uma mudança de postura em um cuidar humanizado e efetivo, para e com essas pessoas (GUEDES et al., 2017) em programas que abracem os princípios do envelhecimento ativo. O Brasil encontra-se em uma realidade distante da encontrada em países dotados de investimentos em políticas públicas incentivadoras de redes de apoio ao idoso, em sociedades mais inclusivas.

Portanto, nem sempre é possível desenvolver um equilíbrio biopsicossocial capaz de garantir ao idoso papéis menos vulneráveis e limitados em sua esfera de atuação. Há que se ter cuidado para que gestores e os próprios idosos não aspirem a um ideal irrealista de envelhecimento, dado que uma velhice sem problemas de saúde ou dificuldades configuram situações incomuns (FOSTER, WALKER, 2015). O envelhecimento ativo não está, necessariamente, vinculado a uma vida sem fragilidades ou limitações, mas à possibilidade de uma conduta participativa diante das mudanças motivadas pelo passar dos anos.

Nessa ótica, o adjetivo ativo abrange tanto uma vida ativa como a capacidade de engajamento em interação contínua e dinâmica com a comunidade. A recomendação da Organização Mundial de Saúde se desvincula das conceituações parciais de um envelhecimento produtivo, ao voltar esforços para uma abordagem holística e inclusiva, reforçada na estratégia de acolhimento de todas as pessoas mais velhas, incluindo aquelas dependentes e fragilizadas (ALVAREZ-GARCÍA et al., 2018; FOSTER; WALKER, 2015). Aspectos como o cuidado preventivo durante o curso de vida, a solidariedade intergeracional envolvendo a equidade entre gerações, bem como o respeito às diversidades entre culturas, religiões, gênero e etnias, são noções fundamentais no paradigma do envelhecimento ativo, asseguram Foster e Walker (2015).

Design universal

O debate em torno de um design que seja universal e inclusivo são essenciais em contextos em que o acesso aos direitos fundamentais relacionados à educação, habitação, cultura, lazer, trabalho e mobilidade ainda se encontra longe de ser uma realidade. Abordagens diversas de design inclusivo têm sido desenvolvidas, assumindo diferentes nomenclaturas, como design universal nos Estados Unidos e Japão, design inclusivo, no Reino Unido, ou design para todos, na Europa Continental (HEYLIGHEN; BIANCHIN, 2013). Ainda que sua aplicação se mostre indispensável, práticas do design inclusivo em projetos elaborados por designers ainda são pouco difundidas ou popularizadas no Brasil. É fundamental expandir e consolidar essa perspectiva, ao gerar melhor compreensão da eficiência dos resultados das pesquisas em design inclusivo traduzidas em ações práticas e em iniciativas políticas (ELLIS, et al., 2018).

Nessa acepção, segundo Cambiaghi (2017), o design universal estuda e propõe ambientes, espaços e tecnologias a partir das diversidades do usuário em suas diferenciadas características físicas, habilidades e experiência pessoal na relação com o ambiente construído. O termo design universal foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1987, pelo arquiteto Ronald Mace, e trouxe importante contribuição ao articular uma mudança de paradigmas para os projetos de arquitetura e design no terreno da acessibilidade. Foi definido pelo arquiteto como o design de produtos e de ambientes para serem utilizados em maior extensão possível por todas as pessoas com diferentes idades e habilidades (CAMBIAGHI, 2017).

Assim, o design universal tem sentido se os espaços projetados buscarem atender a todas as pessoas, considerando as variações de tamanho, sexo, peso, ou diferentes habilidades e limitações dos indivíduos, de forma a atingir as várias fases da vida (GUIMARÃES, 2013). Projetos universais não representam uma demanda específica de design, mas demandas urgentes de toda a sociedade (HORTA, 2017). Ao acolher todos os indivíduos, o design universal reduz a lacuna entre as habilidades e as demandas do ambiente (KANG; LEE, 2016; CAMBIAGHI, 2017).

No Brasil, o conceito de desenho universal foi determinado pelo Decreto Federal 5.296/2004 e teve como base a Norma Técnica Brasileira NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Tanto na esfera pública quanto na privada, vale ressaltar que ambientes de interesse social e comunitário muitas vezes não oferecem locais verdadeiramente acessíveis e universais, uma situação ocasionada pela resistência dos responsáveis pela criação, operação e manutenção desses espaços (GUIMARÃES, 2013). Moradias seguras e apropriadas deveriam ser essenciais, uma vez que podem representar diferenças entre a independência e a dependência dos indivíduos, especialmente para aqueles em processo de envelhecimento (OMS, 2005).  Assim, os espaços projetados universalmente possibilitam um uso mais fácil e intuitivo, independentemente das condições motoras ou cognitivas, ou das condições psicológicas, ou sociais em ambientes tangíveis e utilizáveis por todos (HORTA, 2017).

A aplicação dos princípios do design universal vem atender a contextos diferenciados como idosos e deficientes por meio da criação de projetos estratégicos e inovadores, perpassando todas as etapas do processo de desenvolvimento do design (PORTO; REZENDE, 2016). Minimizar a necessidade de adaptações especializadas e criar possibilidades de maior inclusão de idosos pode diminuir a estigmatização associada a projetos adaptados ou acessíveis. Por vezes, os idosos são obrigados a diminuir suas esferas ambientais de ação e o maior valor, sentido e utilidade residirão nos ambientes que lhes são mais amigáveis (BATISTTONI, 2014). Decerto o Brasil se encontra em estágio inicial, restrito ao atendimento de normas para uma acessibilidade mínima, distante de uma situação ideal de projetos universais (CAMBIAGHI, 2017).

Briefing

Entendido como a passagem de informação de uma pessoa à outra, o briefing compreende coleta, análise e contextualização de informações (ABREU, 2015) por meio de um processo investigativo que permitirá a criação de um programa de projeto (BARBOSA, 2020). Assim, para a obtenção das informações, Barbosa (2020) sugere que as técnicas de pesquisa sejam compiladas em um documento, comumente intitulado de briefing, utilizado pelos profissionais como referência no desenvolvimento de soluções de design de interiores. Segundo Phillips (2008), o briefing não deve ser feito de forma concisa e o tempo utilizado em sua elaboração será significativamente compensador, uma vez que as especificidades de cada caso serão coletadas e analisadas da forma mais completa e clara possível (PHILLIPS, 2008).

No intuito de compreender a aplicação dos procedimentos de pesquisa na estruturação do briefing, Barbosa (2020) destaca alguns deles como observações in loco, entrevistas individuais ou em grupo, grupos focais compreendidos em discussões estruturadas, visitas guiadas em ambientes análogos ao projeto, questionários e levantamentos estatísticos, workshops associados ao registro das percepções e conclusões do profissional sobre as informações coletadas. Abreu (2015) aponta que muito será exigido das habilidades dos profissionais de design de interiores para a manipulação destas informações. A elaboração de um projeto suscita inúmeras questões para que os ambientes atendam a demanda de cada usuário em sua relação com o espaço planejado. Uma escuta apurada e minuciosa na etapa do briefing fundamentará as decisões de projeto e um maior entendimento dos aspectos funcionais, simbólicos e psicológicos envolvidos, ao possibilitar uma ocupação significativa, construída por meio de vínculos de pertencimento e bem-estar (ABREU, 2015).

O entendimento da importância de projetar espaços de acordo com as necessidades de seus usuários desafia os designers de ambientes a melhor compreender os aspectos funcionais, simbólicos, psicológicos da relação entre pessoa e ambiente (ABREU, 2015). O maior cuidado nas fases iniciais de projeto permitirá maior qualidade no encontro entre o usuário e o ambiente, ao serem consideraras as diversidades do ser humano, acentuadas na pessoa idosa. Graus diferenciados de autonomia e independência associados às subjetividades no uso dos espaços fortalecem o reconhecimento de que não há um padrão de ambiente. São necessárias metodologias que permitam observar, coletar, registrar e analisar os desejos e demandas relacionados a domínios variados, como o das pessoas que envelhecem em níveis variados de autonomia, independência, habilidades, estado psicossocial, dentre outros aspectos (ABREU, 2015; NASCIMENTO; BESTETTI; FALCÃO, 2017).

Para Hertzberger (1996), os ambientes podem legitimar marcas identitárias de seus ocupantes e há muito a aprender com as reações individuais dos moradores às sugestões contidas no projeto. Por meio da construção do briefing na fase inicial de projeto será facultada a possibilidade que os usuários externalizem a maneira como querem viver e morar. O conceito de autonomia apontado pelo envelhecimento ativo reforça essa reflexão, entendida como “a habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente, de acordo com suas próprias regras e preferências” (OMS, 2012, p. 14).

Nessa retórica, denuncia-se uma necessidade premente de mudança de paradigmas. Migrar de uma postura, por vezes imperativa e detentora das decisões de projeto, para uma abordagem aberta exigirá que o designer de interiores perceba em profundidade quem é esse sujeito idoso que irá usufruir do espaço a ser projetado, quais seus desejos e necessidades. Estará bem capacitado em gerar soluções orientadas a criar objetos e tecnologias assistivas em um design que seja inclusivo e universal diante da diversidade desse público-alvo. Estar atento à maneira como as tecnologias assistivas são aceitas pelos idosos, presentes nessa faixa etária, torna-se essencial, pois paralelo aos benefícios, os estigmas se perpetuam em sentimentos de vergonha e baixa autoestima. A abrangência, a relevância e a qualidade das informações sistematizadas em briefing permitirão melhor identificação do contexto projetual (BARBOSA, 2020), mais eficazes com a participação do idoso em todo o processo.

Ademais, o envolvimento de idosos em uma perspectiva de copesquisa amplia a possibilidade de influenciar decisões, por meio de uma postura proativa a longo prazo, além de possibilitar melhor compreensão da complexidade intrínseca ao envelhecimento (BUFFEL, 2018). É importante dar aos idosos não apenas a possibilidade de compartilhar suas ideias e objetivos pessoais, mas as justificativas de suas escolhas. Este cenário múltiplo e complexo estimula designers de interiores a reavaliarem suas estratégias projetuais. Deve-se incentivar uma abordagem interativa do profissional junto ao cliente idoso. Certamente, coleta e análise sistematizada de dados das percepções, crenças e opiniões, enriquecerão as decisões de projeto em soluções inovadoras.

Considerações finais

Envelhecer é um processo complexo e multidimensional de caráter interdisciplinar, ultrapassa a análise do peso demográfico de uma população e impacta a vida dos indivíduos, as estruturas familiares, a distribuição de recursos e a habitação.  O design de interiores, dentro de uma estratégia transdisciplinar, deve avançar para soluções eficazes, que permitam aos idosos vivenciar todo o espectro de seus direitos humanos e envelhecer com dignidade em um processo ativo de envelhecimento. Nesse sentido, poderá equilibrar as relações entre tecnologias assistivas e acessibilidade universal em ações que visem autonomia e qualidade de vida, pautadas em um design inclusivo.

As metodologias projetuais, desde suas fases iniciais, devem permitir maior engajamento das pessoas que envelhecem, pautadas na escuta de suas necessidades, preferências e habilidades, ao validar as diferentes experiências de envelhecimento. Em consonância com o enfoque estratégico do envelhecimento ativo, tais procedimentos desconsideram a percepção de um papel passivo dos mais velhos diante de seu processo de envelhecimento e reconhecem e apoiam uma atitude responsável no desenvolvimento das etapas da vida. Maior autonomia, independência e qualidade de vida, alicerces para um processo ativo de envelhecimento, constituem o cerne das intervenções projetuais a serem implementadas.

Nesse contexto, acredita-se ser possível e necessário que o profissional de design de interiores empreenda maior esforço na etapa do briefing, com o intuito de sistematizar em profundidade os aspectos de uso, normatizações e características do ambiente a ser projetado, consoante necessidades, padrões de comportamento e expectativas dos idosos. O efetivo desenvolvimento dessa etapa considera a necessária e contínua participação do usuário, em uma relação dialógica com o profissional de design de interiores, em busca de maior embasamento para as decisões de projeto.

Essa proposta se associa a abordagens mais recentes, envolvendo a hipótese de expandir o campo de investigação do envelhecimento para um entendimento que envolva a copesquisa. Ao ser trazida para o campo de design de interiores, instiga uma cooperação deliberativa entre designers e usuários. A partir da construção conjunta de um briefing, seria factível não somente moldar a convergência de diferentes perspectivas, mas possibilitar o intercâmbio de informações e exploração de argumentos em permanente processo colaborativo.

Ainda, a adoção de práticas inclusivas evidencia a necessidade de um aprendizado contínuo. Soluções particulares compartilhadas permitem a cada indivíduo contribuir nas decisões de projetos, a partir de uma postura ativa e responsável, conforme o sucesso de experiências anteriores, alimentando um repertório de resultados. Esse estudo encoraja a continuidade de pesquisas relacionadas à metodologia do briefing, categorizando e mapeando em profundidade os dados a serem observados. A especificidade e a diversidade do perfil do usuário idoso reforçam essa necessidade, diante da inevitabilidade do envelhecimento, questão que atinge indiscutivelmente todos os indivíduos.

Por fim, é de suma importância inserir essas práticas em unidades de interesse social. Consolidar os resultados de pesquisa do ambiente do idoso e expandir a atuação do designer de interiores junto a programas e iniciativas políticas, é uma necessidade essencial para a construção de uma sociedade mais equitativa e digna. A partir de processos participativos junto à pessoa idosa, será viável identificar soluções inclusivas e inovadoras em design de interiores, para a construção de novos significados que apoiem os contextos complexos reais das pessoas que envelhecem.

Mini Biografia

Maria Laura de Almeida Camargos, designer de interiores e arquiteta urbanista, mestre em Design pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Referências

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