Investigativo por natureza, o design algumas vezes se depara com certezas postas à prova e carece de reflexão acerca de processos e competências. Com o objetivo de analisar as habilidades recomendáveis para uma atuação profissional desejável e assertiva, o presente artigo busca discutir as formas de aprendizado, os desafios impostos pelo momento atual e os ganhos possíveis do contexto presencial. Para tanto, traz uma revisão de conceitos sob a ótica de alguns autores e propõe o cruzamento desses dados como forma de compreender as circunstâncias que se estabelecem. Ao avaliar o uso da tecnologia como forma contemporânea de promover o conhecimento, aborda seu caráter dinâmico e interativo que propicia a circulação da informação e o debate. Por outro lado, aponta a relevância das metodologias validadas através de práticas e trocas. Entende que, mais do que ministrar conteúdos, a academia pode propiciar encontros e vivências.
Palavras-chave: Competências. Design. Ensino. Metodologia. Pandemia.
Investigative by nature, design is sometimes faced with certainties put to the test and lacks reflection on processes and competences. In order to analyze the recommended skills for a desirable and assertive professional performance, this article seeks to discuss the ways of learning, the challenges imposed by the current moment and the possible gains in the presential context. Therefore, it brings a review of concepts from the perspective of some authors and proposes the crossing of these data as a way to understand the circumstances that are established. When evaluating the use of technology as a contemporary way of promoting knowledge, it approaches its dynamic and interactive character that promotes the circulation of information and debate. On the other hand, it points out the relevance of methodologies validated through practices and exchanges. It understands that, more than providing content, the academy can provide meetings and experiences.
Keywords: Competences. Design. Teaching. Methodology. Pandemic.
A cada novo ciclo, desafio ou realidade, o design se percebe convidado e exigido a novos olhares e enfoques que, mais do que respostas, levam à construção de um pensamento que lhe paute. Atividade que tem por base a busca por resultados que impactam diretamente o bem-estar e a qualidade de vida dos usuários, considera fatores como demandas específicas, recursos disponíveis, viabilidade técnica, contexto social e legal na tomada de decisões. Em perspectivas estéticas, funcionais e criativas, o design propõe soluções atraentes que agregam arte e cultura. Quando, por exemplo, é convidado a se debruçar sobre questões do meio ambiente, alarga o pensamento com o design ecológico ou ecodesign; surgem perguntas para consultoria e negócios, responde em estratégia com o design de serviços; se a inquietação é o bem-estar comunitário, retorna com o design social. O fato é que, para cada nova percepção, aparecem pressupostos que convidam a uma revisitação constante de paradigmas. No contexto atual de um mundo que enfrenta os desafios de uma pandemia, valores arraigados são postos à prova, o que leva a repensar costumes e competências, formas de atuação e aprendizado. Seja para o uso de um traje, a percepção de uma imagem, manuseio de um objeto ou interação com um lugar, é hora de muita reflexão. Por urgência e ofício, é justamente sobre o design dos lugares que aqui se busca o entendimento. Sobre o modo como evolui a expressão dos saberes na construção dos espaços e o impacto da atividade presencial na formação profissional.
Quando se foca na essência do design como transmissão de ideias e conceitos a partir de processos, é preciso que se pontue o seu significado enquanto configuração, projeto. Niemeyer (1997) aponta a palavra inglesa design como derivada do verbo latino designo — designar, representar, ordenar, regular. Presente em diversos momentos da história e de desenvolvimento da sociedade como busca de união estética e funcional, o design tem uma trajetória iniciada com a revolução industrial, em meados do século XVIII, com a mecanização de indústrias têxteis, cerâmicas, de utensílios metálicos e de objetos de vidro. O advento da produção em série guiou a evolução dos produtos dos artesãos e a divisão entre projeto e produção possibilitou ao idealizador organizar as técnicas de projetação, dando origem ao designer (MORAES, 1997).
Planejar, configurar, criar, idealizar… “por esses caminhos é que o designer desenvolve o processo criativo. Para um bom projeto de design é necessário empenho de tempo e pensamento, pesquisa e conteúdo” (QUINAUD, 2018, p.02). Ao criar projetos, no sentido objetivo de planos, esboços ou modelos, o design aparece na mudança das realidades, a partir de práticas que afetam diretamente quase todas as relações no âmbito individual ou coletivo, na experiência da vida humana. (CARDOSO, 2000; 2012).
Moraes (1997) apresenta os limites do design como uma questão aberta à fluidez do intento, mas também aponta a necessidade de um olhar com enfoque crítico, cultural e humanístico. Nesse sentido pode-se dizer que o design nem sempre teve nome ou trato, mas desde muito cedo pontua escolhas e decisões. Diante de tudo “que um designer pode ser em termos de interesse agregado ou de termo constantemente (mal) apropriado” (OLIVEIRA; QUINAUD, 2020 p.18), o design de ambientes ou interiores aparece como forma de significar os espaços.
Ao se voltar para o usuário, e por meio do seu olhar sensível e curioso, o design consegue desconstruir questões e devolver soluções efetivas que oferecem novas perspectivas para uma realidade. A partir da compreensão do contexto da atuação interdisciplinar em que se insere, o designer deve atuar na conexão entre os construtos e o mundo dos consumidores. Um dos maiores desafios do processo é projetar considerando os diferentes aspectos tangíveis e intangíveis (ABREU et al., 2020). Para maior assertividade é importante o desenvolvimento de um programa de trabalho amplo e sistêmico de forma a apurar aspectos e particularidades que irão influenciar na própria percepção do usuário.
As diretrizes e as escolhas projetuais que respaldam o ofício do design e o universo da indústria criativa, acontecem muito a partir da observação dos hábitos da sociedade. Quando se estudam as transformações de comportamento e pensamento das pessoas no contexto em que estão inseridas, descortina-se a relação entre consumidores e o fazer design. Essas mudanças de paradigmas remetem muitas vezes a contextos sociais, culturais, políticos, econômicos e tecnológicos, dentro de um tempo e um espaço em que os sujeitos vivem, e estão ligadas às questões geracionais, sendo que:
na história recente, se percebe claramente três gerações: a primeira, fruto de uma sociedade rígida e com poucos recursos, que deu passagem para uma segunda, sortida de lutas e conquistas por liberdade, e que se desdobrou em uma terceira, quarta, com facilidades, tecnologia, acesso total e democracia.
(QUINAUD, 2018, p.04)
Os caminhos que se desenham hoje parecem bastante nebulosos e os modos de consumo que, de maneira recorrente sempre foram ditados pelos detentores dos recursos financeiros, se moldam às gerações Y e Z, definidoras atuais das formas de consumo numa época digital. Os padrões ditados por essas duas gerações vão, de modo geral, permear o mercado consumidor e exigir do design a criação de produtos, serviços e espaços com experiências agregadas, capazes de adicionar valor à vida, mas que também possam ser compartilhados em redes sociais. Nessa lógica, se por um lado o design aparece em todos os momentos como instrumento para que o mercado saiba como criar cenários emocionais que impactem os diferentes consumidores, por outro precisa adaptar tanto seus modos de atuação quanto as formas de preparação acadêmica dos futuros profissionais.
Perceber essas transformações em um mundo que, com mais ciência e estratégia do que sorte, pode se reinventar para todas as humanidades num campo pós-pandêmico, traz uma perspectiva relevante à discussão, uma vez que, para Marx (2004), o sentido humano vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto e sua natureza humanizada. E não existe humanidade sem conhecimento. Nos dias de hoje, fala-se muito em produção do conhecimento e do modo como a profusão da informação nesse mundo globalizado induz a novas práticas. A esse respeito, Morin (2015, não paginado) esclarece que “informação não é conhecimento […] conhecimento é a organização das informações”. Daí têm-se os instrumentos tecnológicos como ferramentas que auxiliam a sistematização de novos saberes e competências de forma interativa. Os métodos de informação, exploração e transformação do conteúdo em conhecimento podem ser agentes potencializadores. Vygotski (2007) ressalta a importância de se adequá-los às novas realidades e demandas. Para ele,
em geral, qualquer abordagem fundamentalmente nova de um problema científico leva, inevitavelmente, a novos métodos de investigação e análise. A criação de novos métodos, adequados às novas maneiras de se colocar os problemas, requer muito mais do que uma simples modificação dos métodos previamente aceitos (VYGOTSKI, 2007, p. 41).
Certamente, não há como negar que as tecnologias transformaram a produção e a disseminação do conhecimento e, nos últimos tempos, de distanciamento social obrigatório, fizeram-se fundamentais para que a roda do mundo girasse. A possibilidade de participação dos sujeitos, novas formas de acesso à informação e a circulação rápida de conteúdos são alguns dos pontos que podem ser observados. Já não é de hoje que existe uma ampliação da presença de usuários na rede, que se tornou possível “devido ao desenvolvimento de uma infraestrutura tecnológica descentralizada e de baixo custo, que permitiu às pessoas acessar, produzir e disseminar conteúdos” (MANTOVANI 2015, p. 9). O uso de tecnologias, novas mídias e plataformas como meio de construção do conhecimento está presente atualmente nas diversas formas de educação. É inegável que na academia elas, que exerciam uma função educadora de instigar a experiência, desenvolver o olhar, a sensibilidade e propiciar uma construção compartilhada, agora também aparecem como diferencial entre o ensino existir ou não.
Dito o ponto e entendida a importância, a questão que fica é acerca do que pode ser plenamente realizado na modalidade virtual, e o que se perde sem a materialidade do presencial. Quando se pensa o design do lugar, como já foi dito, em termos de se imprimir significado a um espaço, entende-se que isso deve acontecer em todas as dimensões, potências e sentidos. Em sinestesia. E para fazer é preciso conhecer. Talvez seja até possível se aprender sobre cores e formas à distância, mas a temperatura, a luz, o cheiro, o gosto, a aura de um lugar, pedem mais. E tem-se ainda uma perda exponencial quando se pensa em troca de experiências e construção coletiva. Para (MARTIN, 2009, p.58), “design não é somente fazer coisas bonitas; é também fazer com que as coisas trabalhem maravilhosamente bem”. Ao centrar as ações para o desejo do consumidor ou expectativa do usuário, é preciso que os saberes obtidos passem pelo funil do conhecimento, amadureçam na sensibilidade do designer e ganhem efetividade pelo filtro dos métodos.
Para se produzir o bom design é preciso empenhar tempo e pensamento, pesquisa e muita inspiração. Como em todos os processos de elaboração de alguma atividade humana, no design a metodologia se faz relevante e é construída com cada experiência. Em alguns campos de estudos metodológicos mais antigos, o design de ambientes busca referenciais para o desenvolvimento de um método próprio, sendo que desde as primeiras intenções de sistematização já se encontravam esquemas de se dividir em fases o processo de projeto. Para Löbach (2000), “todo processo de design é também um processo criativo e de solução de problemas”, o que aponta a relevância da metodologia projetual em pautar os passos para que se evolua na melhor medida possível em cada etapa, seja de preparação, avaliação, geração ou execução. Ainda para o autor, o trabalho do designer consiste em encontrar soluções de problemas concretizadas em projetos que incorporem “as características que possam satisfazer as necessidades humanas, de forma duradoura” (LÖBACH 2001, p.141).
Nesse sentido, pode-se dizer que quando Bruno Munari (1981) fala que existe uma forma mais adequada a cada função e “é nesta busca da forma pela função, que o designer trabalha”, aponta para uma premissa que remete à base fundamental do processo, que é se conceituar em design. Entendendo o conceito como uma das etapas comumente adotadas e aliado à delimitação do briefing, mapeamento funcional, geração de alternativas, solução projetual, detalhamento e acompanhamento. Segundo (BAHIA et al., 2016), “[…]o design na atualidade se configura como atividade interdisciplinar, que demanda um olhar holístico e seja capaz de pensar problemas de um cenário interconectado e complexo”. As autoras entendem que a metodologia do design, antes construída em um fluxo linear esperado, hoje se desdobra em conexões e sistemas que requerem diferentes conhecimentos e fontes do saber.
Para se projetar, criar ou pensar acerca do design e seus paradigmas, é necessária uma concepção que norteie a direção, delimite valores, embase argumentos, defesas e explique o motivo das escolhas projetuais. Ao entender o design como uma atividade estratégica, técnica e criativa, orientada por uma intenção que objetiva a solução eficaz de um problema, há que se ter foco nas habilidades desejáveis para o processo de criação. YI-FU Tuan traz como pressuposto para um bom resultado a luz da experiência, ao refletir sobre o que confere identidade a um lugar. Segundo o autor:
Medimos e mapeamos o espaço e lugar, e adquirimos leis espaciais e inventários de recursos através de nossos esforços. Estas são abordagens importantes, porém precisam ser complementadas por dados experienciais que possamos coletar e interpretar com fidedignidade porque nós mesmos somos humanos. (TUAN, 1983, p.05)
Conceber significa formar no espírito, na ideia. Ao se planejar, configurar, compor um espaço enquanto representação geral e abstrata de uma realidade que visa potencializar as qualidades a serem impressas em um espaço determinado, algumas competências se fazem fundamentais:
I – Visão sistêmica e atuação interdisciplinar — ao designer cabe desenvolver e viabilizar o projeto, mas é preciso a consciência de que a eficiência dos resultados pode ser ampliada através da colaboração de outros profissionais da área do design ou diversas;
II – Análise crítica histórica, estética e cultural — compreender como construto importante a investigação sistemática acerca dos registros da memória, da conformação simbólica e material, os aspectos de composição ou gestalt e das crenças, arte, moral, leis e costumes, hábitos, capacidades e códigos presentes em uma determinada comunidade e tempo;
III – Ciência dos fatores tecnológicos, funcionais, produtivos e materiais — atualização e pesquisa constante acerca dos recursos disponíveis no mercado num dado o momento, possibilidades e desdobramentos;
IV – Gestão do design com vistas à inovação — pensar para além do projeto, em termos de estratégia de negócio, no que pode se transformar em valores para o consumidor e oportunidades de mercado;
V – Conhecimento e gerenciamento de metodologias projetuais — compreender a necessidade de saber organizar os dados e ter aptidão de sair dos esquemas analíticos tradicionais quando necessário;
VI – Ação prospectiva e criativa — adotar uma postura com visão alargada sobre os desdobramentos, coletar insights de forma correta num planejamento que favoreça a materialização de experiências em espaços, produtos ou serviços.
Contemplar esses requisitos vai refletir nas possibilidades de um design que se proponha a transformar realidades em ambientes de vivência humana com experiências mais desejáveis para a sociedade (CAMPOS; ARAÚJO, 2020), além de desvendar os anseios individuais. Ao se compreender que um conceito é sempre portador de significado e que todo lugar é um espaço conceituado, fica claro que as unidades semânticas ou de conhecimento adquiridas no percurso acadêmico do profissional de design são determinantes para a construção de um referencial que embase as decisões projetuais na composição de um espaço a ser trabalhado.
Dentre os diversos olhares, relações e pertencimentos observados no cotidiano da vivência dos lugares, existem manifestações afetivas, estéticas ou funcionais que determinam os modos de interação e, por outro, desnudam as urgências. Quando um designer protagoniza a significação dos contextos, com pensamento crítico e planejamento estratégico, abraça causas e assume consequências, define sujeitos. É por isso que um bom processo metodológico deve aparecer sempre como premissa ao se desenhar formas para se interpretar usuário e consumidor. Em um contexto contemporâneo em que uma geração com “DNA digital” e hábitos virtuais de berço se faz definidora dos modos de consumo, parece próprio e cada vez mais necessário que o uso se desdobre em experiência e que a ambiência favoreça a criação de memórias e afetos. Para isso, é importante uma concepção de projeto que se valide no método.
Nos contornos em que se observam a produção do conhecimento que pauta o ofício, muito se tem a ganhar em termos de formação e aprendizado quando o desenvolvimento acontece através de práticas e trocas. Mais do que ministrar conteúdos, a academia pode propiciar encontros e vivências. Numa nova realidade imposta pelo advento da pandemia, muitas urgências se tornaram relativas e certezas precisam ser revistas. Decerto fica a arte… E a lucidez do design que pode trazer conforto e contraponto, esperança e respiro quando o ar literalmente falta, que facilita a vida e faz pensar.
Oferecer a esse novo tempo, que forçosamente se reinventa, lugares de bem-estar, apropriação e pertencimento são ganhos presumíveis ao lançar foco ao que se espera desse também novo profissional. Sabendo que a profundidade desses pontos vai além dos limites deste texto, seguem as provocações e ponderações. Há quase vinte anos, quando estreou em fevereiro de 2002, Amélie Poulain em seu fabuloso destino decretou serem “tempos difíceis para os sonhadores”. Jamais se imaginaria que chegariam tempos estranhos para quem cria, mas que também justo no poder de se reinventar do processo criativo estariam o alento e a resposta.
Paula Quinaud, designer de ambientes, mestre e doutoranda em Design, docente e coordenadora do curso de Design de Ambientes na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
ABREU, S.M.B.M. et al. Ensaios na prática projetual de design de ambientes: Uma abordagem sobre a práxis do ensino. Intramuros , Belo Horizonte, ed. 3, fev. 2020 Disponível em: <https://revistaintramuros.com.br/ensaios-na-pratica-projetual-de-design-de-ambientes/>
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