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Direitos Autorais

DIREITOS AUTORAIS: O erro conceitual, os abusos sobre o que não é de direito real e que atrapalham o pleno exercício profissional do designer de interiores.

Autor

Paulo Roberto Gonçalves de Oliveira

Resumo

Este ensaio traz uma reflexão sobre a questão dos Direitos Autorais no Brasil – em especial quando relacionados à Arquitetura – demonstrando, através de exemplos e dados, como a prática atual fere princípios constitucionais, os direitos dos consumidores e da liberdade e autonomia de outros profissionais quando o objeto base dos projetos é arquitetônico. Seja como for, faz-se necessário uma urgente revisão dos dispositivos que legalizam atos claramente corporativistas, protecionistas e que beneficiam apenas aos arquitetos através de uma reserva de marcado criminosa e ilegal, prejudicando toda a sociedade em sua liberdade de escolha e direito patrimonial e profissional.

Palavras-chave: direitos autorais; design de interiores; arquitetura; consumidor; direito.

Abstract

This paper presents a reflection on copyrights in Brazil – especially those related to Architecture – demonstrating, through examples and data, how current practices violate constitutional principles, consumer rights and the freedom and autonomy of other professionals when the basic object of the projects is architectural. In any case, there is an urgent need to review the laws that legalize acts that are clearly corporativist and protectionist, that only benefit architects by means of a criminal and illegal market reserve, harming the freedom of choice and the rights of society as a whole.

Keywords: copyrights; interior design; architecture; consumer; rights

Introdução.

Acredito que todos nós, designers de interiores, ouvimos em algum momento de nossa vida – da academia à vida profissional – alguma coisa sobre alterações em edificações relacionadas ao direito autoral criando, de certa forma, uma barreira para a livre prática, a liberdade de atuação em nosso campo de conhecimento específico. Desde alterações internas a externas a regra que nos é passada é: precisa da autorização do autor para realizar.

Os Direitos Autorais (doravante apenas DA) são regidos no Brasil pela Lei 9.610, de 1998, que sofreu diversas alterações sendo a última atualização através da Lei nº 12.853, de 14 de agosto de 2013, que modificou e inseriu novos artigos no texto original. É ela que determina e tem poder de direcionar os atos jurídicos sobre este assunto em todo o território nacional. No entanto, apesar sua interpretação ser praticamente unânime pelos juristas, a aplicação no dia a dia apresenta-se carregada de elementos estranhos à própria Lei e, em muitos casos, atentando contra a mesma e a outros ordenamentos jurídicos que versam sobre o tema, incluindo a Constituição da República Federativa do Brasil (CF).

A necessidade de trazer a questão dos DA para este ensaio não refere-se apenas ao veto presidencial aplicado sobre o Artigo 6° da Lei n° 13.369/2016, que trata da regulamentação profissional dos designers de interiores, mas também – e especialmente – sobre práticas que ocorrem no mercado e na academia num claro atentado à Lei dos Direitos Autorais causando diversas situações constrangedoras no dia a dia tanto para profissionais quanto para os clientes. Sobre o veto em específico tratarei em outro ensaio complementar a este. Parte deste problema está relacionado a dois fatores:

A. A incorreta distinção entre patrimônio público (de interesse nacional ou local, cultural ou histórico) e patrimônio privado (pessoal) bem como sobre direito moral (autoria) e direito material (posse) nos projetos de Arquitetura, Design, Interiores e Engenharia;

B. A visão – ilegal – imposta no cotidiano afirmando que a edificação (propriedade particular) é, além da autoria, um objeto pertencente ao seu autor e não do proprietário, numa clara transgressão à Lei dos DA e demais ordenamentos jurídicos brasileiros.

Percebe-se que são duas condições interligadas e que precisam ser analisadas, exemplificadas, esclarecidas e refutadas corretamente para que se abra um debate sério a fim de chegar a alguma solução para o problema relacionado à prática profissional e o direito à propriedade. Especificamente, na segunda hipótese, encontra-se o ponto nevrálgico da questão e que merece uma exploração transparente – livre de melindres e achismos – a fim de destrinchá-la, apontando os discursos falaciosos em busca de uma forma de solucioná-la. Assim sendo, o foco do presente ensaio é uma análise inicial destas duas hipóteses, em suas formas abstratas (ideação) e concretas (mercado) escondida por trás de ações que levam à confusão e desentendimentos, deixando aberto um campo que tem urgência de pesquisas mais aprofundadas, especialmente as elaboradas pela academia jurídica nacional e transformadas em dispositivos legais que acabem em definitivo com tais práticas antiéticas.

Apresentação dos problemas.

A visão distorcida sobre Direitos Autorais em Arquitetura aqui no Brasil.

Aproveitando-se da confusão relacionada ao entendimento dos DA no Brasil e das dificuldades de registro, fiscalização e punições em casos que atentem contra os mesmos, percebe-se várias tentativas de mudar uma Lei Federal através de medidas (resoluções, normas e outros) internas de conselhos federais, numa manobra para estabelecer uma espécie de proteção especial para seus profissionais, mesmo que atentando diretamente contra a legislação superior vigente, que ultrapassa os limites de suas atribuições legais, da ética e do bom senso e que, ao final, são apresentadas à sociedade como se Lei fossem. Apesar das leis de criações de conselhos federais e dos estatutos de sindicatos e entidades de classe preverem a definição de atribuições, limites, código de ética entre outros fatores relacionados às profissões, percebe-se uma tendência ao extrapolamento destas por estes órgãos através de atos que chegam a absurdos, beirando a má fé, numa tentativa de gerar algo supraconstitucional. Porém, segundo a CF, legislar – e este é o caso – é uma prerrogativa exclusiva do poder executivo e do legislativo assim como julgar é competência exclusiva do judiciário.

É comum ouvir e ler que para qualquer proposta de alteração numa edificação deve haver a permissão do autor do projeto para que a mesma possa ser realizada. O proprietário do imóvel não é considerado afinal, segundo estes discursos e documentos, “a edificação pertence ao seu autor”. Sim, é isso que o artigo 6° buscava reafirmar dubiamente ao ser inserido, unilateralmente pelo CAU, escondido em uma Lei Federal que não versa sobre Arquitetura e sim sobre Design de Interiores e Ambientes. Tal artifício iria beneficiar apenas aos arquitetos, colocando o livre exercício profissional dos designers de interiores, engenheiros e demais prestadores de serviço da construção civil, e pior, o direito à propriedade por parte dos detentores legais sobre o bem material em cheque mate. Nada além disso.

Já existe este dispositivo jurídico – diga-se de passagem, ilegal – dentro da Lei nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010, de criação do CAU:

Art. 15.  Aquele que implantar ou executar projeto ou qualquer trabalho técnico de criação ou de autoria de arquiteto e urbanista deve fazê-lo de acordo com as especificações e o detalhamento constantes do trabalho, salvo autorização em contrário, por escrito, do autor.

Parágrafo único.  Ao arquiteto e urbanista é facultado acompanhar a implantação ou execução de projeto ou trabalho de sua autoria, pessoalmente ou por meio de preposto especialmente designado com a finalidade de averiguar a adequação da execução ao projeto ou concepção original.

Art. 16.  Alterações em trabalho de autoria de arquiteto e urbanista, tanto em projeto como em obra dele resultante, somente poderão ser feitas mediante consentimento por escrito da pessoa natural titular dos direitos autorais, salvo pactuação em contrário. (CAU, 2010. Grifos do autor).

Especialmente o artigo 16° carrega em si um atentado contra o direito à propriedade ao vetar qualquer possibilidade de alteração numa edificação sem o consentimento do autor do projeto. As razões que levaram a esta redação e consequente aprovação estão, possivelmente, na legislação apontada nas considerações iniciais da Resolução n° 67, de 5 de dezembro de 2013, que dispõe sobre os DA na Arquitetura e Urbanismo ou seja, não é um pensamento novo. Remonta à uma época em que não existia legislação específica sobre este assunto no Brasil e que, com a implementação de uma Lei, não foi revisto e devidamente atualizado ou ajustado às realidades das partes envolvidas deixando brechas para interpretações jurídicas duvidosas bem como para ações como esta. Nesta introdução são citadas Leis que vão dos Direitos Humanos (DH) até o Código de Defesa do Consumidor (CDC) na tentativa de justificar uma suposta plausibilidade para a ideação destes dispositivos com conteúdo duvidosos – eticamente falando – como o que propõe esta Lei, Resoluções e alguns dos documentos citados.

Segundo este dispositivo, somente o autor do projeto pode realizar alterações na edificação. Em uma leitura aberta, isso inclui absolutamente tudo relativo à mesma: cores, revestimentos, esquadrias, paisagismo ou jardinismo, louças e todos os elementos da edificação ou nela contidos durante ou posteriormente a construção. Ou seja: absolutamente nada pode ser alterado sem a permissão do autor a partir do momento em que esta Lei entrou em vigor.

Como exemplo desse absurdo temos então, os designers de interiores forçados a trabalhar apenas e tão somente com a Decoração de Interiores – parte superficial e não pertencente à edificação – em imóveis usados, pois ele não poderá alterar nada. Toda reforma em imóveis antigos demandam alterações diversas de elementos, materiais e cores e, como visto, “somente o autor pode realizar alterações”. Outra possibilidade diz respeito aos imóveis novos, ainda na planta que, mesmo assim, vêm carregados de restrições como, por exemplo, a autorização do autor ou construtora para realizar as alterações propostas. Para justificar este crime contra as liberdades individuais, as patrimoniais e a de livre exercício profissional eles lançam mão de subterfúgios contidos em outros dispositivos legais, claro, relativizando-os de acordo com os seus interesses corporativistas, desconsiderando a multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade profissional e, especialmente, o aspecto colaborativo e complementar das profissões.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, art. XXVII, lê-se no inciso 2° que “Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor”. Sobre o assunto, o site direito.com apresenta a informação de que

(…) os direitos morais são fruto de sua atividade criativa. São personalíssimos, inalienáveis e intransferíveis, ao passo que os direitos patrimoniais do autor estão ligados aos frutos de comercialização deste trabalho, podendo o autor usar, fruir e dispor de seus inventos e produtos de criação (…). (www.direito.com, 2017. Grifos do autor.)

Frutos de uma comercialização. Grave-se este termo.

Cita-se também, nas considerações iniciais da Resolução 67, a Constituição Federal (CF) da República Federativa do Brasil que, em seu Art. 5° afirma que “XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;“. Em pesquisas realizadas no site do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre algo a respeito da CF foi encontrado o livro, disponível em .PDF, “A Constituição e o Supremo”, que está em sua 5ª edição. Observa-se o único comentário sobre o inciso citado como base da alegação:

Figura 1 – A Constituição e o Supremo. Comentário sobre o Inciso XXVII do Art. 5° da CF. Fonte: STF.

Não percebe-se, portanto, qualquer ligação deste dispositivo com o objeto arquitetônico ou na relação criador X proprietário. Resguarda sim o direito moral relativo ao ato criativo, apenas. Importante salientar que entende-se por reprodução de algum objeto o ato de copiar fielmente suas características originais – será tratado sobre isso mais adiante. Porém, nada fala sobre o uso que se dará ao mesmo após adquirido por outra pessoa. Volta-se então ao termo “frutos de uma comercialização” destacado anteriormente.

O arquiteto, o engenheiro e o designer vendem seus projetos para seus clientes. Isso é um fato incontestável. É o livre comércio de serviços entre as partes. Ao vender o seu serviço – incluindo o projeto e/ou a execução – e receber a quantia imposta pelo mesmo, o autor abre mão do direito patrimonial sobre a edificação que passa a ser, única e exclusivamente, daquele que pagou pela aquisição do bem: o cliente, agora proprietário exclusivo sobre o bem. Ao autor resta o resguardo legal dos direitos morais que garantirá que sua ideia não seja copiada ou reproduzida sem sua autorização e, caso seja, tem a proteção legal da Lei de Direitos Autorais que assegura-lhe os direitos de indenizações por crimes praticados por outros.

A resolução apresenta-se também a Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata dos Direitos Autorais aqui no Brasil e impõe em seu Art. 7°:

Art. 7º – São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; (Grifos meus).

Projeto e esboço não são sinônimos de edificação, construção. Tampouco como obras plásticas podem ser consideradas as edificações – os próprios arquitetos rejeitam isso. Projeto e esboço remetem ao ato criativo, ao desenho croquizado manualmente e ao técnico que definem as características estéticas e técnicas da estrutura a ser construída. Isso fica claro no caput do referido artigo ao afirmar que estão protegidas as criações “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível”.

Ainda descontentes, acrescentam no mesmo documento a referência a um aspecto do Código de Defesa do Consumidor (CDC) contido em seu Art. 6°, inciso III, que é direito do consumidor receber

(…) a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. (CDC, 1990).

Este é um elemento óbvio para qualquer negociação entre partes produtora e adquirente. Porém, nota-se que aqui a intenção da menção deste dispositivo diz respeito à obrigação do arquiteto informar – baseado na falácia analisada aqui – ao cliente ou seja, desinforma-lo sobre o que ditam as Leis superiores afirmando – como se real fosse – algo inconcebível e insustentável juridicamente.

Todo este imbróglio leva a outro ponto que deve ser considerado nesta análise, porém não explorado em sua plenitude: a reserva de mercado. Se somente o autor pode realizar alterações na edificação, sabendo que dificilmente estes autorizarão alguém a alterar algo em suas obras, especialmente num mercado altamente competitivo, é óbvio que o dispositivo do veto tentou, novamente, alcançar uma suposta legalidade visando garantir trabalho permanente sobre a edificação de forma exclusiva para o seu autor, numa Lei que não fala de Arquitetura. Todas essas investidas caracterizam claramente tentativas de reserva de mercado corporativista descarada, egoísta e denotam uma irresponsabilidade ética e social, feita e aprovada dentro – e com apoio – do Congresso Nacional.

No ordenamento jurídico existem diversos doutrinadores e jurisprudências que versam sobre a relação entre fornecedor e consumidor. Segundo Tribunal de Justiça do Paraná, na Apelação 15050981 PR 1505098-1 (Acórdão) as diferenças entre consumidor e fornecedor são:


Figura 2 – Definições de consumidor e fornecedor. (Fonte: Jusbrasil).1

Logo, entende-se que o profissional é um fornecedor de serviços criativos, que presta serviços de natureza criativa e/ou técnica vendendo-as para terceiros; o cliente é o consumidor, aquele que adquire um bem seja este de qualquer natureza e passa a ter direito de propriedade sobre o mesmo.

Da forma como vem sendo imposto no Brasil, o proprietário, que é aquele que pagou pelo produto (edificação, incluindo aqui os honorários profissionais pelo projeto e sua execução), não tem autonomia sobre um bem que adquiriu. Nem mesmo para contratar o profissional que deseja para projetar ou reprojetar os interiores e exteriores de SUA residência ou comércio. Ele até pode tentar, mas dependendo das alterações, o profissional contratado deve buscar a tal “autorização do autor” que, negando-se, possivelmente irá atrás do proprietário para pescar um trabalho já certo que ele nem sabia que existia. Fica o proprietário, então, à mercê da obrigatoriedade que este dispositivo impõe da contratação exclusiva do autor do projeto perdendo também sua liberdade e seu direito de escolha do profissional mais adequado para o seu interesse.

Como exemplo, pensemos em uma edificação construída há mais de 20 anos e que hoje, já está em seu quinto proprietário. Isso livra o atual proprietário deste problema? Não, pois segundo aqueles que criaram e inseriram estes dispositivos nas Leis e resoluções o entendimento é idêntico ao do direito moral. Em outras palavras, se o autor ainda estiver vivo somente ele poderá realizar alterações na referida edificação. Isso é visivelmente o apontamento de um ato criminoso disfarçado: a reserva de mercado.

1 O site Jusbrasil é referência em jurisprudência no meio jurídico nacional. Nele encontramos decisões sobre todos os assuntos que podem ser convergentes ou divergentes.

Para que tudo fique mais claro, há que se distinguir corretamente o que é Direito Autoral (moral e propriedade) e patrimônio afinal, existem as esferas pública e a privada. Comecemos então por entender as diferenças entre estes últimos elementos.

Propriedade intelectual: diferença entre patrimônio público e privado.

Um dos argumentos usados não apresenta uma distinção clara entre o que se entende por patrimônio pessoal, patrimônio cultural e direito autoral. Deve-se concordar que, em se tratando de algo nesse campo de importância histórica e de interesse público, o objeto deve ser protegido não pelos direitos autorais, mas pela legislação específica que rege o patrimônio nacional. Deve-se ter consciência de que estes são objetos públicos, projetados e construídos para servir a algum fim específico (público ou privado), mas que, por sua importância histórica, personas que ali viveram, características peculiares ou ainda por diversos outros aspectos extrínsecos à Arquitetura, devem ser mantidas como o original. Isso tem muito a ver também com Restauração, o que transpõe a Arquitetura, a Engenharia e o Design e seus autores. Vale ressaltar que existem construções criadas e levantadas por construtores não habilitados e que hoje constam da carta de edificações protegidas pelo IPHAN.

Aqui, não interessa num primeiro plano o autor e sim a edificação e sua história, os acontecimentos que dentro dela ocorreram, a que e quem ela serviu. Enfim, é um plano de objetos que carregam em si uma importância grandiosa para a História do Brasil. Dentre estes, podemos citar como exemplo:

Casa de Chico Mendes – Xapuri, Acre: é uma casa de madeira, simples e com apenas quatro cômodos, onde Chico Mendes, líder seringueiro morto em dezembro de 1988, viveu seus últimos momentos. Segue o estilo das primeiras construções acreanas, da arquitetura vernacular da Amazônia. O autor e o projeto são desconhecidos. Se não tivesse Chico Mendes vivido nesta casa nem ter se tornado um líder que infelizmente entrou para a história de forma trágica, esta seria, certamente, apenas mais uma casinha de madeira que ninguém de fora de Xapuri sequer saberia de sua existência.

Casa de Graciliano Ramos, Palmeira dos Índios-AL: considerado um dos maiores romancistas brasileiros, esta foi a residência do escritor durante anos onde ele começou a escrever grande parte de suas obras. Fundada em 5 de outubro de 1973, possui em seu acervo, segundo o site Conhecendo Museus, “fotos pessoais, originais de algumas obras, roupas, documentos, máquina de escrever, objetos utilizados no filme “Vidas Secas”, o manuscrito da carta que o romancista enviaria a Getúlio Vargas após ser preso por razões políticas, em 1937, entre muitas outras coisas”. Assim como a anterior, esta seria apenas mais uma casinha em meio a uma cidade interiorana desconhecida pelos brasileiros.

Elevador Lacerda, Salvador, BA: segundo o site Bahia Turismo, o elevador “Foi o primeiro elevador no mundo a servir de transporte público e o mais alto desse tipo, quando foi inaugurado, em 8 de dezembro de 1873. Liga a Praça Tomé de Sousa, na Cidade Alta, à Praça Cayru, no bairro do Comércio”, numa cidade conhecida por seus dois andares e 73,5 metros de altura. O Elevador Lacerda foi idealizado pelo empresário Antonio de Lacerda, construído com a ajuda de seu irmão, o engenheiro Augusto Frederico de Lacerda e financiado por seu pai Antônio Francisco de Lacerda. A segunda torre (a que se projeta para a frente) foi inaugurada em 7 de setembro em 1930, juntamente à uma reforma geral, em que o conjunto arquitetônico ganhou seu estilo em art-déco. As duas torres são ligadas por uma plataforma com 71m de vão. Apesar de ser uma construção pública e histórica, o Elevador Lacerda recebeu interferências no decorrer dos anos visando atender às novas demandas e necessidades dos usuários. Como ainda não era tombado e não existia esta deturpação sobre direito patrimonial/autoral, isso foi possível. Atualmente é tombado e não pode ser mais alterado. A diferença deste exemplo para os anteriores é que aqui encontramos um espaço de utilidade pública, que foi pensado, projetado e construído para atender às necessidades da população.

Como se vê, estes e tantos outros exemplos de objetos arquitetônicos considerados patrimônio histórico fazem parte da construção histórica e cultural nacional. Esplanada dos Ministérios, Catedral de Brasília, casarões e igrejas das cidades de Minas Gerais, Teatro de Manaus, Teatro Municipal de São Paulo e do Rio de Janeiro além de diversas edificações espalhadas pelo nosso País que hoje são protegidos como patrimônio histórico e cultural nacional. Vale aqui ressaltar que alguns destes também viraram patrimônio por tratarem-se de obras de construtores, engenheiros e arquitetos que já faleceram e que são reconhecidos e consagrados pela alta qualidade de sua produção.

Por outro lado temos as edificações, que denominam-se aqui, como objetos arquitetônicos comuns por não enquadrarem-se nos padrões de importância e interesse público acima por serem propriedades privadas, o que significa que foram construídas para usos e pessoas comuns: as residências, lojas e demais espaços particulares.

Segundo o Dicionário de Significados2, bastante utilizado no meio jurídico e acadêmico, entende-se por propriedade privada

Propriedade privada compreende o direito de usar, gozar e dispor de uma determinada coisa, de modo absoluto e exclusivo, porém, esses poderes não podem ser exercidos de forma ilimitada, pois influenciariam no direito alheio, que também tem os mesmos interesses do outros indivíduo e, cabe ao Poder Público, limitar até onde vai o poder de cada um.

A propriedade privada faz parte do capitalismo, e também exerce uma função social e faz parte da Constituição brasileira desde 1988, quando foi pela primeira vez definido a função social de propriedade. Uma propriedade privada pode ter uma função social, em algum momento que o poder público desapropria uma propriedade privada para ser usada como propriedade coletiva para benefício múltiplo e comum. (DS. 2018).

Como fica claro, de início, o proprietário do bem tem total poder sobre o mesmo e pode interferir ou alterá-lo como desejar de acordo com o seu gosto, necessidade ou por qual motivo for. Porém, na sequência o texto diz que “esses poderes não podem ser exercidos de forma ilimitada, pois influenciariam no direito alheio”. Faz-se necessário então, explorar o que significa, de fato, Direito Autoral.

Segundo o site do ECAD3 (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), Direito autoral é

Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O direito autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) e protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc. Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.

Os direitos morais asseguram a autoria da criação ao autor da obra intelectual, no caso de obras protegidas por direito de autor. Já os direitos patrimoniais são aqueles que se referem principalmente à utilização econômica da obra intelectual. É direito exclusivo do autor utilizar sua obra criativa da maneira que quiser, bem como permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente.
Ao contrário dos direitos morais, que são intransferíveis e irrenunciáveis, os direitos patrimoniais podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, às quais o autor concede direito de representação ou mesmo de utilização de suas criações. Caso a obra intelectual seja utilizada sem prévia autorização, o responsável pelo uso desautorizado estará violando normas de direito autoral, e sua conduta poderá gerar um processo judicial.

A obra intelectual não necessita estar registrada para ter seus direitos protegidos. O registro, no entanto, serve como início de prova da autoria e, em alguns casos, para demonstrar quem a declarou primeiro publicamente. (ECAD, 2017)

Obra intelectual. Deve-se gravar bem este termo a partir deste ponto, pois também será necessário mais à frente neste artigo.

A Lei que criou os Direitos Autorais aqui no Brasil faz uma clara distinção entre direitos morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são de seu criador e dizem respeito à criação, ideação, formatação de algo ou algum objeto material ou imaterial. Já os direitos patrimoniais podem ser dele ou cedidos a outra pessoa. Entram aqui as obras finalizadas: uma canção, uma pintura, uma escultura, um móvel, uma edificação e qualquer objeto material ou imaterial criado por alguém. No entanto, percebe-se que há uma confusão entre material e imaterial que permeia as práticas atuais no que tange a Arquitetura e implica diretamente no mercado imobiliário, em outras profissões e, diretamente, sobre seus proprietários: aquele que pagou pela aquisição objeto.

Veja bem, é muito importante separar ideia do objeto. Sem este entendimento o presente ensaio corre o risco de perder o sentido.

IDEIA, (Etm. do grego: idéa.as). Ação de representar mentalmente algo concreto, abstrato ou de qualquer natureza: ideia do bem, do belo; ideia de uma cadeira; Percepção elementar, aproximada: tenho uma vaga ideia disso; Inspiração; concepção literária ou artística: foi uma ideia de gênio; Intenção determinada: mudar de ideia; Opinião; ponto de vista: construir uma ideia de alguém; Entendimento mental; pensamento: viver segundo suas ideias; a ideia de uma sociedade construída de modo justo; Resultado esperado; recurso, expediente: ocorreu-lhe uma ideia feliz; Sistema filosófico, doutrina: as ideias de Platão inspiraram diversas escolas; Lembrança: tenho ideia de já ter visto isso; Ideia fixa. Pensamento dominante e obsessivo: está com a ideia fixa de perseguição; Ideia geral. Conceito; Tirar alguma coisa da ideia. Deixar de pensar numa coisa; Dar ideia de alguma coisa. Mostrar semelhança; trazer à memória; Fazer ideia (de alguma coisa); imaginá-la, compreendê-la: ele parecia um doido, nem pode fazer ideia; Ter boas ideias. Ser engenhoso; ter boa concepção. (Dicio4, 2017)

Vale ainda ressaltar, segundo o DICIO, os sinônimos de ideia: conceito, concepção, conhecimento, cálculo, expediente, imaginação, inspiração, intuito, juízo, lembrança, mente, noção, opinião, pensamento, plano, sentido.

Como fica claro, o conceito de ideia está ligado intrinsicamente ao ato criativo, de concepção de algo, alguma ideia ou projeto seja este de que natureza for. É um ato mental, um insight que precisa ser analisado, refinado, elaborado ou projetado dependendo do caso. Construído, não no sentido material, mas sim no representativo, que irá torna-lo entendível para o próprio autor e, especialmente, para quem – ou que – se destina este objeto. E esta representação pode acontecer de diversas formas: na pauta musical, numa tela pintada, num texto escrito, num desenho esboçado ou detalhadamente representado tecnicamente. Em suma, a ideia arquitetônica remete-se à representação desta ideia – as plantas de representação arquitetônica – que são o registro do esforço do autor em traduzir seus pensamentos através de linhas e formas. Para arquitetos e engenheiros, tal registro fica assegurado quando estes fazem o registro de seus projetos em seus respectivos conselhos federais através do Acervo Técnico.

Este acervo, além de garantir um espólio – ou portfólio – de toda a produção profissional em sua carreira, é um documento que pode ser utilizado judicialmente em processos de plágio, cópia e outros que ousarem utilizar de suas criações, sem a sua permissão, para fins lucrativos ou indevidos – o que inclui imagética ou cópias. Tudo bem que isso ainda é questionável uma vez que vemos muitas casas com telhados, fachadas extremamente semelhantes, layout bastante próximos. E ninguém se importa com isso. Um tipo de “cegueira coletiva” em meio a tanta igualdade em projetos.

No entanto, este direito não pode sobrepor-se ao direito patrimonial de seu cliente. Para melhor entendimento desta questão precisamos buscar o significado de outras palavras relevantes para a presente análise:

Posses – Bens; as propriedades, os imóveis, os bens financeiros que uma pessoa possui: é um fazendeiro de posses.

Posse – Propriedade; estado da coisa que está sendo possuída por alguém ou que essa pessoa guarda consigo; condição da pessoa que está nesse mesmo estado; Fato ou situação de possuir ou reter alguma coisa.

Bens – O que é propriedade de alguém; propriedade, domínio. Bens materiais. As propriedades adquiridas por um indivíduo ao longo da vida; aquilo que uma pessoa possui de valor; Bens de consumo. Produtos industriais destinados diretamente ao consumo pela população; Bens dotais. Os que constituem o dote da esposa; Bens hereditários. Os que são transmitidos por herança; Bens imóveis. Os que não são suscetíveis de mobilidade e não podem ser deslocados sem que sofram alterações; Bens imprescritíveis. Os que não estão sujeitos a usucapião; Bens móveis ou imobiliários: os que podem ser transportados ou deslocados sem alteração da substância ou forma. (DICIO, 2017)

Como fica evidente, o patrimônio pessoal é fruto de seu labor e investimentos feitos durante a vida – ou herdado. Nesta lista entram todos os tipos de bens adquiridos pela pessoa e que passam a ser de sua propriedade exclusiva: casas, carros, eletrodomésticos, obras de arte, roupas, eletrônicos, etc. O item foi posto à venda, o cliente o adquiriu empenhando o seu dinheiro e suas reservas logo, o item comprado e pago integralmente por ele é dele e somente ele tem o direito de fazer o que quiser com o mesmo. Pode derrubar uma edificação para construir outra no lugar. Pode destruir uma tela de Monet se assim desejar. Pode aplicar adornos em suas roupas quando quiser e assim por diante. Os bens são de quem pagou por eles, a propriedade e destinação dos mesmos é decisão exclusiva do proprietário.

Exemplificando com outro objeto base: automóveis e o tuning.

Para ilustrar tudo isso utilizar-se-á um exemplo muito comum que vemos no dia a dia: as alterações feitas nos carros, o chamado tuning. “Tunar” um carro significa, de forma geral, alterar características de um automóvel seja para melhorar o desempenho ou alterar o visual do mesmo. Especialmente neste último item, destaca-se a necessidade individual de aproximá-lo da personalidade de seu proprietário. Na verdade, é algo que também é utilizado para dar status elevado ao objeto e ao seu dono: criar admiração pela plateia que o vê passar. Fato é que a simples aplicação de um adesivo na lataria ou no vidro de um carro já o descaracteriza e o diferencia do seu modelo original.


Figura 3 – Audi S4 Before & After Tuning. Fonte: UTubLe5.

Alguns argumentos são oferecidos pela associação representativa em ABD (2017a p.1), dentre eles o fato de que o Design de Interiores era comumente confundido com a atividade de decoração, segundo defende, “atividade esta que era desempenhada por pessoas sem formação específica”.

A própria ABD, com fins de trazer luz sobre a origem de certa confusão entre as duas atividades, manifesta:

O termo “Design de Interiores” é relativamente novo no Brasil. Foi oficializado no final da década de 1990 quando o MEC – Ministério da Educação e Cultura lançou os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico – Área de Design. Até essa época a área era conhecida como “Decoração”, “Arquitetura de Interiores” ou simplesmente “Design”. (ABD, 2015, p.1).

Porém, existem alterações com diversas finalidades incluindo aquelas que modificam, até mesmo, a estrutura do carro: insufilm, rebaixamento, pinturas artísticas, luzes, potência do motor, troca de bancos, volantes, painéis, revestimentos internos, rodas e pneus e mais uma vasta lista de alterações possíveis.

Na figura 1 é apresentada uma imagem onde o tuning ainda não é no modelo extremo. Nesta personalização foram alteradas características externas do objeto base veículo como a cor (pode ser através de pintura ou adesivagem), escurecimento de vidros e faróis (através de insufilm), troca dos espelhos retrovisores, o para-choque frontal (que foi aumentado) e a alteração mais visível que é o rebaixamento e troca das rodas e pneus. Comparando-se à uma edificação seria o mesmo que trocar a cor da fachada (adesivagem), alterar detalhes (retrovisores e para-choque), alteração de elementos que podem ser estruturais ou não (rebaixamento e rodas/pneus). Isso porque não é possível ver as alterações internas que foram realizadas neste carro.

Comparando este caso com a visão sobre o objeto base edificação: se esta fosse aplicada também sobre automóveis, nenhuma das alterações poderiam ser realizadas sem a permissão da montadora. A montadora, por sua vez, teria que ter a autorização do designer que projetou o automóvel. Se o projeto foi realizado por uma equipe, as alterações somente seriam possíveis mediante a autorização de todos os integrantes da mesma, mas não é isso que acontece. Equipes e profissionais de Design automotivo – e das outras áreas – não se importam com as alterações realizadas posteriormente em seus bens por seus proprietários, pois tem consciência de que estes “não lhes pertencem mais” e sim, apenas a quem os adquiriu. Tem ciência de que os Direitos Intelectuais (ideação) estão devidamente registrados e que qualquer tentativa de cópia por outra montadora é facilmente punida através da Justiça.

Destaque-se o termo CÓPIA.

Copiar – Fazer cópia de; reproduzir: copiar uma carta; Reproduzir, imitando: copiar a letra de alguém; Imitar, seguir: copiar as tendências da moda europeia; … (Dicio6, 2017).

Vale também elencar o significado dos sinônimos plagiar, imitar e reproduzir:

Plagiar – Expor ou mostrar alguma coisa (trabalho, livro, teoria etc.) como se esta fosse de sua própria autoria, embora tenha sido criada e/ou desenvolvida por outrem: o aluno plagiava os trabalhos com frequência; Realizar a cópia do trabalho que pertence e/ou foi criado por outrem: plagiava o compositor.

Imitar – Fazer ou esforçar-se por fazer exatamente o que faz uma pessoa, um animal: imitar os santos; Reproduzir exatamente, falsificar: imitar a assinatura de alguém; Produzir o mesmo efeito de; assemelhar-se: o cobre dourado imita o ouro; Repetir, reproduzir; arremedar.

Reproduzir – Produzir de novo; Exibir, mostrar novamente; Imitar; traduzir com fidelidade; Inserir em jornal ou revista trecho extraído de outra publicação; (DICIO7, 2017)

As alterações promovidas pelo tuning não são enquadradas em nenhum dos significados acima. São práticas criativas de outros autores, diferentes dos que projetaram o objeto original. Por não se tratar de cópia do automóvel em si, nem as montadoras nem seus autores estão preocupados com as possíveis alterações que poderão ser realizadas no mesmo por seu proprietário no decorrer da vida útil do mesmo. Eles têm ciência de que cada usuário é único, tem suas necessidades e gostos particulares que não dizem respeito a mais ninguém e tem o direito de realizar livremente as alterações necessárias para atender suas particularidades. Como ele pagou pela aquisição do bem (o objeto automóvel e, consequentemente, pagou do design à produção e revenda), ele tem direito exclusivo sobre a posse, o uso e a destinação do mesmo. Ninguém tem o direito de interferir ou proibir isso. Seria o mesmo que as empresas que fabricam smartphones proibir os usuários de utilizar capinhas ou alterar as configurações originais instalando aplicativos, pois estas descaracterizam o design e o projeto original dos aparelhos.

Isto posto, fica claro como é irresponsável e imoral que a ideia de que o objeto arquitetônico (edificação) não deve ser separado do projeto (ideia) do mesmo outorgando ao autor direitos que vão muito além dos que realmente tem direito.

Concluindo

Creio ter conseguido expressar neste ensaio alguns aspectos que envolvem o problema apresentado e seus reflexos no exercício profissional dos designers de interiores bem como os danos à sociedade, mas existe ainda uma última interpretação possível para a revisão desta prática: o uso cotidiano dos ambientes projetados pelo usuário.

A impressão que o entendimento atual nos passa é de rigidez extrema na relação do usuário com o espaço. E realmente, é também uma das possíveis interpretações. Se somente o autor do projeto pode realizar alterações no objeto, basicamente isso pode significar também que o usuário final (proprietário do objeto arquitetônico) não pode alterar nada após o projeto finalizado e entregue sob o risco de ser processado pelo autor por mudar, de alguma forma, a configuração ou elementos do mesmo. Utilizando alguns exemplos extremos nesta interpretação: uma poltrona que é afastada pelo usuário em 30 centímetros para melhorar a circulação ou melhorar a visualização da televisão. Um vaso retirado de uma mesa de apoio – vários usuários já quase o derrubaram – e colocado na estante. Um tapete guardado pois o usuário mais idoso tropeça constantemente em sua borda. Uma planta eliminada por ser tóxica para o cão que a família adquiriu.

Existem ainda incontáveis exemplos que poderiam ser elencados para ilustrar esta situação absurda à qual a atual interpretação sobre DA do objeto arquitetônico levaria todos os envolvidos no projeto. Os ambientes ficariam engessados de tal forma que os usuários (proprietários) não poderiam realizar qualquer alteração nos ambientes – como as descritas no parágrafo anterior – sem a permissão expressa e oficial do autor do projeto. Por mais que estas mudanças sejam urgentes e necessárias, baseadas na experiência diária dos usuários com os espaços projetados e constatações do que está funcionando e do que não está, os mesmos não poderiam mudar nada. Por outro lado, isso não faz parte das premissas ou pretensões do Design nem de seus profissionais.

Vale ressaltar aqui que a leitura feita pelo projetista no pós entrega, ao observar como os ambientes por ele projetados estão sendo utilizados e modificados, é uma ferramenta de aprimoramento profissional. É através da observação de erros – sim, se houveram alterações estas são baseadas em erros projetuais – e das soluções encontradas pelos usuários que o profissional vai percebendo características e peculiaridades de cada usuário, amadurecendo como profissional e aprimorando suas técnicas e cuidados. Vale lembrar que cada usuário é único o que nos leva a constatar que uma solução pronta – receita de bolo de caixinha – não serve para todo mundo.

Seja como for, o veto ao Artigo 6° na Lei n° 13.369/2016 veio no momento oportuno pois me permitiu refletir e escrever sobre este assunto que todos nós designers de interiores ouvimos falar já nos cursos e, posteriormente, na prática profissional. Nós, designers de interiores, não desejamos que nossos clientes sintam-se podados em seus direitos de qualquer forma e sim que tenham plenos poderes para adequar os ambientes projetados ao seu uso cotidiano sob qualquer pretexto. Principalmente quando dispositivos ilegais como esse entendimento absurdo sobre DA na arquitetura aponta para uma reserva de mercado leviana e irresponsável.

Deve-se ter consciência de que o uso cotidiano dos espaços provoca sim alterações na configuração dos mesmos e que estas são benéficas para quem realmente interessa: os usuários. E são eles o alvo principal da atenção e cuidado no ato de projetar. Assim, os designers não encaram estas alterações realizadas como uma ofensa e sim como experiência e pontos que devem ter mais atenção em futuros projetos evitando repeti-los. Daí a não inserção do mesmo no destaque para derrubada de vetos no Congresso Nacional que versava sobre os vetos à Lei n° 13.369/2016 e focava apenas na questão da formação acadêmica.

Resta apresentar também, antes de finalizar este ensaio, algo pertinente ao assunto pois certamente alguns que chegaram até este ponto da leitura podem – ainda – indagar-se: mas a edificação não pode ser considerada um produto (seja qual o argumento for). Para dirimir, importa destacar aqui a definição de edificação utilizada na NBR 16.280/2014:


Figura 4 – NBR 16.280/2014 – termos e definições. (ABNT, 2014).

Vale ressaltar, por fim, que esta norma técnica foi produzida por um grupo majoritariamente composto por engenheiros e arquitetos, engendrada especialmente por força deste último grupo que, historicamente, vem tentando por vias ilegais barrar o livre exercício dos profissionais de Design de Interiores levantando barreiras impeditivas que não existem em outros países. É apenas mais um elemento que aponta na direção da reserva de mercado antiética e criminosa ou, sendo mais cordial, uma forma de garantir trabalho para seus profissionais – mesmo que a simples assinatura de uma RRT – uma vez que o mercado para eles está quebrado por erros próprios que eles insistem em não assumi-los e corrigi-los. Como dizem, é mais fácil jogar pedras no telhado alheio esquecendo-se que se tem telhado de vidro também. Ridículo!

Exposta e analisada a problemática, sem melindres e de forma clara e coerente, este ensaio busca apresentar elementos que demonstrem a urgente necessidade de abrir um novo debate sobre o tema de Direitos Autorais relacionados ao objeto arquitetônico visando a necessária revisão de práticas e ingerências que atentam contra direitos fundamentais de posse dos proprietários, da liberdade profissional e contra o ordenamento Jurídico Nacional.

Referências

ABNT. NBR 16.280/2014 – Requisitos para reformas e gestão de obras em edificações. Disponível em: http://www.sidasa.com.br/Norma%20ABNT%20NBR%2016280.pdf. Acessado em: 05 de Jul. 2018.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília. 1990.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. 1998.

BRASIL. Lei Federal nº 8.078 – Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990.

BRASIL. Lei Federal n° 9.610 – Direitos Autorais. Brasília. 1998.

BRASIL. Lei Federal nº 12.378 – criação do CAU. Brasília. 2010.

BRASIL. Lei Federal nº 12.853 – Direitos Autorais. Brasília. 2013.

BRASIL. Lei Federal n° 13.369 – Regulamentação profissional dos designers de interiores. Brasília. 2016.

Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 4692. Brasília. 2016.

CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo. Resolução n° 67 – Direitos Autorais na Arquitetura e Urbanismo.  Brasília. 2013.

Gabinete da Presidência da República. Mensagem n° 49. Brasília. 2016.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. ???????. 1948.

STF. A Constituição e o Supremo. 5ª Edição. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_5a_edicao.pdf. Acessado em: 26/04/2018.

TJ-PR. Apelação: apl 15050981 pr 1505098-1 (acórdão). Tribunal de Justiça do Paraná. Disponível em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/401569039/apelacao-apl-15050981-pr-1505098-1-acordao>. Acessado em 16/03/2018.

Currículo do autor

Paulo Roberto Gonçalves de Oliveira
Paulo Oliveira, graduado em Design de Interiores com especializações em Educação e em Lighting Design. Autor do blog “Design: Ações e Críticas”, fundador e mantenedor do Portal DesignBR, palestrante em eventos importantes como NDesign – entre outros, docente de graduação e pós-graduação. Atualmente é Coordenador Acadêmico da ABD-PR.

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