Categories: Edição 03

O bioclimatismo como uma das habilidades e competências do designer de interiores

O bioclimatismo como uma das habilidades e competências do designer de interiores

O caso da moradia em Campo Grande

Autora

Caroline Souza Costa

Orientadora

Helena Câmara Lacé Brandão, DSc.

Resumo

O presente artigo destaca como uma das habilidades e competências do designer de interiores o desenvolvimento de metodologias que se alinham ao design sustentável, com o objetivo de evidenciar que esse profissional adquire em sua formação a capacidade de desenvolver propostas de bioclimatismo visando conforto térmico. O trabalho apresenta o estudo de caso de uma moradia no bairro de Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro, que sofreu intervenção por um designer, e que apresentou resultado satisfatório em termos de adequação da construção ao seu microclima. Essa adequação veio a melhorar o metabolismo da habitação e assim, a qualidade de vida de seus usuários.

Palavras-chave: Design sustentável; Bioclimatismo; Conforto Térmico; Design de Interiores

Abstract

This article highlights as one of the skills and competences of the interior designer the development of methodologies that align with sustainable design, with the objective of showing that this professional acquires in his formation the capacity to develop bioclimatism proposals aiming thermal comfort. This work presents a case study of a house in the Campo Grande neighborhood, in Rio de Janeiro, which was intervened by a designer and that presented a satisfactory result in terms of the adequacy of the construction to its microclimate. This adequacy improved the metabolism of the housing and thus, the quality of life of its users.

Keywords: Sustainable design; Bioclimatism; Thermal comfort; Interior Design

Introdução

O designer de interiores possui, entre suas habilidades e competências, a capacidade de ofertar conforto térmico com uso de sistemas passivos, indo de encontro a necessidade de desenvolvimento sustentável de qualquer sociedade. Entre suas atribuições está desenvolver projetos bioclimáticos, mas poucos sabem disso e, portanto, esse conhecimento é pouco usufruído. O hábito de contratar um profissional qualificado para resolver problemas e dar soluções em edificações ainda não é comum, seja pelo custo monetário dos serviços, seja pela falta de conhecimento acerca das qualificações e contribuições de especialistas.

É comum aos brasileiros tentar solucionar algumas questões relacionadas a casa por conta própria, o famoso “dar um jeitinho”. Porém, algumas das soluções podem se tornar um transtorno e acabar gerando uma série de problemas que antes a edificação não possuía. Além de causar gastos desnecessários, a dor de cabeça poderia ser evitada se houvesse a procura de empresas ou projetistas capacitados a apresentar melhores soluções para determinados problemas. O designer de interiores, com formação voltada para o bem-estar do usuário, é um desses colaboradores.

A função de um designer de interiores frequentemente é confundida com a de um decorador. No entanto, a ornamentação dos ambientes para o profissional desse ramo leva em consideração não apenas questões de estética.  Ao analisar setorização, estudar diferentes layouts, combinar cores, texturas e pensar na harmonia do ambiente, o designer visa aprimorar a função e a qualidade dos espaços interiores e melhorar a qualidade de vida, aumentando a produtividade, protegendo a saúde, o bem-estar e a segurança do(s) usuário(s). Com esse intuito, um dos conhecimentos normalmente adquiridos por esse profissional em sua formação é referente à oferta de conforto ambiental e essa oferta dentro dos princípios do design sustentável.

O conceito de sustentabilidade está diretamente relacionado ao ramo da construção, tendo em vista que as edificações existentes e as que estão para serem construídas podem apresentar uma série de características que acabam gerando significativo impacto ambiental, econômico, social e até mesmo cultural. No que diz respeito ao impacto direto da construção civil no meio ambiente pode-se ter como exemplos negativos a volumosa quantidade de resíduos originados nos canteiros de obra e a produção de lixo proveniente dos edifícios, a emissão de gases de efeito estufa devido à extração de matéria prima, o transporte de materiais, o alto consumo de energia e água, entre outros.

Dessa forma, o designer de interiores, que atua em projetos e execução tanto de ambientes a serem construídos quanto de ambientes já edificados está envolvido diretamente com a sustentabilidade. O design de interiores sustentável não se limita ao uso de materiais reciclados, por mais que isso possa vir a contribuir para o meio ambiente. Ainda que os profissionais desse ramo não possam trabalhar de forma sustentável desde o início da vida útil de um espaço, seu papel se faz fundamental em virtude de algumas práticas positivas que o projetista pode sugerir e que vão contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Dentre essas boas práticas, está a aplicação do conceito de eficiência energética na oferta de conforto térmico, que consiste na otimização do uso da eletricidade[1] em relação a climatização do ambiente, com a diminuição de sistemas ativos (aparelho de ar condicionado) e o uso de sistemas passivos de condicionamento do ar interno através da aplicação do conceito de bioclimatismo.

O bioclimatismo nada mais é do que adequar a construção ao seu microclima, tirando proveito dos recursos naturais, através da forma arquitetônica (tipologia e morfologia) com o intuito de atingir a carga térmica desejada dentro do ambiente. A contribuição do designer de interiores nessa adequação será aqui demonstrada através de um estudo de caso.

[1] O uso da eletricidade impacta o meio ambiente dentro da cadeia de geração, transmissão e consumo dessa energia, sendo responsável por grande parte da emissão de gás carbônico na atmosfera.

Moradia em Campo Grande

Estudo de caso sobre a contribuição do designer de interiores para a adequação climática da construção

O estudo de caso consiste na análise de uma edificação unifamiliar habitada por cinco membros igualmente usuários e proprietários que optaram, inicialmente, por não buscar ajuda profissional diante do problema. Situada no bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro, cidade de clima tropical quente úmido, onde a amplitude térmica entre o dia e a noite não é significativa, essa edificação recebe incidência solar direta nas fachadas norte e oeste no período vespertino, além de incidência constante sobre a cobertura, gerando grande desconforto térmico agravado pela falta de sombreamento de entorno imediato.

Por muito tempo, a solução mais conveniente para enfrentar o desconforto térmico foi a utilização dos aparelhos de ar condicionado em três cômodos da habitação durante um longo período do dia, gerando grande consumo de energia elétrica com impactos negativos, econômicos para a família e ambientais para a sociedade. Assim, diante do problema foram adotadas, ainda sem a orientação de um profissional competente, algumas providências para diminuir a incidência solar direta na edificação e, deste modo, amenizar a consequência térmica de ganho de calor.

Essas medidas consistiam em proporcionar fatores de sombra como a implantação de vegetação de médio porte em seu entorno e toldos que protegessem as superfícies insoladas, no entanto o estudo a respeito da insolação foi realizado de forma superficial e sem qualificação apropriada, não se atentando de maneira mais precisa à carta solar, ou até mesmo aos materiais empregados. Portanto, tais medidas não se mostraram satisfatórias, visto que a vegetação demandava de um longo período para promover sombreamento e os toldos utilizados, pela sua forma e material, formavam uma ilha de calor em conjunto com a cobertura em telha de amianto. Ademais, ambas medidas não sombreavam totalmente a área desejada (fig.1).

Figura 1: Acima, o estudo de insolação na edificação. À esquerda abaixo, a árvore de médio porte. À direita abaixo, os toldos e a fachada oeste recebendo insolação às 16 horas no outono. Fonte: própria da autora.

Diante da ineficácia das medidas adotadas, a família buscou fontes alternativas de energia elétrica para viabilizar economicamente o uso de sistemas artificiais de climatização que se fazia necessário na maior parte do tempo. Dessa forma, optou-se por investir na instalação de painéis fotovoltaicos para geração de energia própria. As placas fotovoltaicas são dispositivos que convertem a energia solar em energia elétrica, o que é proveitoso numa cidade onde há sol na maior parte do ano. Inicialmente foram implantados seis painéis, porém estes não produziram o benefício esperado na redução de gastos, que só foi significativo com a implantação de mais quatro painéis posteriormente (fig.2).

Figura 2: Acima, o estudo de insolação e a localização onde as placas foram instaladas. Abaixo, a foto dos painéis instalados na cobertura da garagem, totalmente expostos ao sol. Fonte: própria da autora.

Entretanto, essa medida teve um alto investimento inicial que demorou a ter retorno devido à pouca redução do custo fixo com eletricidade e, ainda, não solucionou o excesso de ganho de carga térmica pela edificação. A implantação de painéis fotovoltaicos colabora para reduzir custos econômicos e ambientais ocasionados pelo uso de eletricidade fornecida pela rede elétrica da região, proveniente de fontes menos limpas e/ou renováveis. No entanto, ela não viabiliza maior eficiência energética do uso dos aparelhos de ar condicionado, diminuindo o seu acionamento pela adequação da construção ao seu microclima.

Insatisfeitos com as medidas adotadas, os usuários, por fim, cederam a contratação de um profissional especializado, optando por um designer de interiores. As intervenções foram estudadas aplicando o conceito de bioclimatismo, visando equilibrar o uso de sistemas ativos com sistemas passivos de redução da carga térmica. As soluções propostas foram:

  1. Implantação de fatores de sombra que viabilizassem a ventilação e protegessem toda a fachada de insolação direta. Foram sugeridos pergolados de madeira com vegetação rasteira de rápida proliferação, dimensionados com o auxílio da carta solar (fig.3). A vegetação colabora para o sombreamento, possui função estética, além de estimular um maior contato dos usuários com a natureza.
Figura 3: Corte ilustrando a incidência solar sobre o pergolado. Fonte: própria da autora.
  1. Substituição dos revestimentos de alta condutividade da fachada por materiais de baixa condutividade, visando promover maior inércia térmica, assim, optou-se por substituir a cobertura revestida em telha de amianto por telha cerâmica. A cerâmica age como isolante tanto para o frio quanto para o calor, devido à argila queimada ou cozida que possui excelente comportamento térmico. As paredes que possuíam acabamento apenas em tinta acrílica receberam revestimentos também cerâmicos como o tijolinho e o azulejo, além do jardim vertical que possui tanto função estética quanto pragmática, ademais, sua implantação estimula um maior contato dos usuários com a natureza (fig.4).
Figura 4: Estudo em croqui dos materiais e fatores de sombra da fachada oeste. Fonte: própria da autora.
  1. Substituição dos materiais de revestimentos dos ambientes internos, contemplando superfícies e mobiliários. Os pisos de compartimentos de longa permanência como sala de estar/jantar e dos quartos, em tacos de madeira, foram substituídos por porcelanato. O porcelanato é considerado um revestimento frio, que além de não reter calor, dá sensação de frescor ao toque. As paredes receberam cores claras, pois absorvem menos calor, também contribuindo para sensação de frescor. As cortinas foram estudadas de modo a permitirem certa passagem de ar e servirem como barreira para incidência solar no interior dos ambientes, assim, foram sugeridos tecidos como o linho, que possui trama mais ampla, em conjunto com blackout, flexibilizando o uso da cortina.
  2. Substituição de portas e janelas por esquadrias que melhorassem a captação dos ventos com o auxílio da ferramenta da rosa dos ventos. A janela basculante da cozinha foi substituída por janela de giro com veneziana. Esse tipo de esquadria permite melhor aproveitamento dos vãos, tais como as venezianas que possibilitam a circulação dos ventos e o controle sobre a insolação no interior do ambiente (fig.5). As portas em alumínio foram substituídas por portas de madeira com venezianas também.
Figura 5: Acima, estudo da incidência dos ventos na edificação considerando os mais predominantes e frequentes, vindos do sudeste e sul. Abaixo, estudo em croqui da esquadria. Fonte: própria da autora.
  1. Substituição dos equipamentos de fonte primária de luz artificial por lâmpadas economizadoras de energia, que possuíssem propriedade lumínica satisfatória para o conforto visual dos usuários, visando a redução de ganho de calor pela radiação artificial desses aparelhos. Portanto, as lâmpadas incandescentes foram substituídas por dispositivos de LED de baixo fluxo energético e, assim, promovendo maior rendimento luminoso.
  2. Substituição dos aparelhos de ar condicionado por aparelhos que possuíssem o selo Procel A, corretamente dimensionados e locados na construção, visando otimizar sua operação e manutenção. Assim, priorizou-se o uso de equipamentos do tipo split por permitirem flexibilidade quanto à locação das condensadoras, logo, atendendo questões funcionais e estéticas.

Dessa forma, o profissional buscou observar e compreender o metabolismo da edificação e de seu entorno para, dentro do conceito de arquitetura bioclimática e design sustentável, obter as soluções mais pertinentes ao projeto (fig. 6). Reduziu o ganho de calor por radiação, condução e convecção, retirou a carga térmica com ventilação natural e viabilizou apropriar-se dos ventos a fim de contribuir para uma temperatura agradável no interior dos ambientes em grande parte do tempo. A implantação dessas soluções aumentou a oferta de conforto térmico de modo sustentável, fazendo com que os aparelhos artificiais passassem a ser acionados só durante a noite, na maior parte dos períodos quentes do ano.

Figura 6: Planta baixa ilustrando as soluções de projeto. Fonte: própria da autora.

Conclusão

Através do estudo de caso, pode-se observar que o designer de interiores assume papel importante quando se trata de sustentabilidade e bioclimatismo. Ainda que este profissional esteja habituado a lidar com ambientes já existentes, e, portanto, enfrente restrições, neste projeto foram tomadas algumas medidas simples e pontuais que contribuíram decisivamente para uma melhora na qualidade de vida de seus usuários, levando em consideração o orçamento reduzido em consequência do alto investimento em energia solar.

Além da contribuição para o conforto de seus usuários, economia e o desenvolvimento sustentável, também é pertinente considerar a consolidação de uma metodologia, a qual auxilia a propagar o interesse da sociedade pela sustentabilidade. Nesse sentido, é possível perceber o bem estar e a qualidade de vida dos indivíduos em decorrência do entendimento do metabolismo da edificação em relação ao seu microclima e também do respeito e aproximação com a natureza, aspectos que acabam sendo negligenciados por grande parte da população.

Diante disso, e da crescente demanda pelo design sustentável em todo o planeta, o designer de interiores atua como parte integrante e fundamental na área da construção civil e, portanto, deve possuir comprometimento com a sustentabilidade, não permitindo que o tema seja tratado de forma opcional em nenhum projeto.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, LEONARDO; CÂNDIDO, CHRISTINA. Introdução à ventilação natural. Alagoas, UFAL: Edufal, 2008.

CORBELLA, O. D. e YANNAS, S. Em busca de uma arquitetura sustentável para os Trópicos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

CREDER, Helio. Instalações de ar condicionado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2012.

CUNHA; EDUARDO GRALA DA (org.). Elementos de arquitetura de climatização natural. Porto Alegre: Masquatro, 2006.

FROTA, A. B., SHIFFER, S. R. Manual do conforto térmico. 7ª ed. São Paulo: Nobel, 2006.

KEELER, MARIAN; BURKE, BILL. Fundamentos de projeto de edificações sustentáveis. Editora: Bookman, 2010.

LAMBERT, R. – DUTRA, L. – PEREIRA, F. O. R. Eficiência Energética na Arquitetura. São Paulo: PW editores, 1997.

MOXON, Sian. Sustentabilidade no design de interiores. 1ª ed. São Paulo: GG Brasil, 2012.

Currículo da autora

Caroline Souza Costa

Graduanda do curso de Composição de Interior pela Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Currículo da orientadora

Helena Câmara Lacé Brandão, DSc.

Doutora em ciências em arquitetura. Professora efetiva da Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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