PREFÁCIO

… Eu quero tudo e mais ainda.

Amor tem que encher o coração, a casa, a alma.

Pouco ou metades nunca me completaram

Clarice Lispector

E a nossa Clarice nos inspira nesse momento. Seu texto, ratificando que o que se passa em nós, está por aí, no mundo e, como noúres que somos capazes de captar, retratam o espírito que reina nesta edição de nossa revista.

O Design de Interiores vive um novo momento. Conquistada a regulamentação, um marco em nossa trajetória, mas ainda insuficiente para o alcance de nossa meta, cada vez mais os profissionais mergulham na matéria, passando a reconhecer mazelas e querendo vencer dificuldades. Queremos tudo a que temos direito: a afirmação de nossa identidade e o reconhecimento social de nossa expertise. Ninguém cresce, se não tem consciência de seus limites. Ninguém avança se não exerce a humildade necessária para reconhecer a necessidade de mudança. Esse, o primeiro passo para a conquista do que, por direito, cabe a este profissional designer comprometido com a inclusão, com a qualidade de vida e o atendimento a questões não apenas físicas e concretas, mas intangíveis, abstratas e simbólicas que a complexidade do ser humano comporta.

Então, como em um passe de mágica, vemos surgir os textos que, tocando em nossas feridas, apontam caminhos de superação. Quem tem olhos de ver, entenderá a força bruta que surge nas entrelinhas, evidenciando uma tomada de consciência que começa a se manifestar aqui e ali, fruto do amadurecimento que só a experiência confere.

Os temas apresentados nessa edição, em sua grande maioria, focam questões fundamentais para o desempenho profissional, quais sejam, a afirmação de uma identidade, a organização da classe profissional, a atualização do ensino, todas elas alimentando-se da legislação referente a direitos autorais, que podem assegurar ao designer a necessária tranquilidade facultada pelo conhecimento das normas.

O impacto da transformação da vida em sociedade produziu, na área do design, não apenas a complexificação do ato de projetar, mas também o alargamento da sua área de atuação, exigindo mais e mais o domínio de uma metodologia de projeto flexível e adaptável a cada caso e um olhar aberto, atento e criativo, apto à reflexão. Pensar design e fazer design devem andar juntos na alma do profissional pleno. Aliás, não se é um profissional pleno se se desconhece o valor da teoria aliada à prática de projeto. Igualmente, não se é expert se não se tem consciência do salto do papel do designer dos primeiros tempos do século XX – como criador de um produto, o ambiente, no nosso caso, ao seu papel no século XXI, em consolidação, como um solucionador de problemas que, ao refletir criticamente sobre esse processo, identifica novos problemas, estende seus braços em todas as direções, abarcando serviços, gestão, atividades estratégicas – e assim inova e transforma o mundo.

É o casamento entre teoria e prática que confere a alta capacidade reflexiva que permite, enfim, a produção da inovação e a ampliação do conhecimento por esse profissional atento às novas demandas sociais. Sem esses parâmetros, o designer de interiores se reduz a um mero repetidor de soluções padronizadas que em nada contribuem para a qualidade da vida humana no planeta. Ser designer é não se contentar com os preceitos e requisitos do mercado, é estar livre para pensar e perscrutar novos caminhos, inovar, contribuir para alterar o status quo vigente. É acreditar na capacidade de superação, mesmo consciente de que se pauta na incerteza e na imprevisibilidade que caracteriza a ação humana.

Quem de nós, profissionais, sabe disso? E quem de nós que, sabendo, se joga nessa busca para realmente corresponder à expertise que deveria ser a alma de nosso trabalho?

A identidade do designer de interiores passa pela consciência individual, por parte de cada projetista, do seu papel na sociedade e pela consciência social dos que lhe reconhecem o valor e a expertise. Trata-se de uma construção. E cada um de nós é por ela responsável. A formação profissional é aliada importante e a atuação da ABD é vital na construção desse tecido que a todos conecta e que costura, ponto a ponto, os rumos de nossa profissão. Unidos, escolas e associação, seremos mais fortes. No intercâmbio democrático de ideias, ouvimo-nos e fazemos escolhas. Na divulgação transparente de nossos passos, criamos redes. Na atuação responsável e criativa, transformamos a vida de muitos e muitos usuários. Temos esse knowhow. Só falta que assumamos esse mesmo olhar que se pauta no autoconhecimento e, principalmente, no auto reconhecimento. Só assim conquistaremos o reconhecimento de outrem.

Desde o início de nossa trajetória, há, pelo menos, 4 ou 5 gerações de profissionais trabalhando com Design de Interiores no país – refiro-me àqueles egressos dos primeiros cursos universitários da área criados em algumas poucas cidades do país. A ABD esteve presente em grande parte desse período de quase 50 anos correspondentes a essas gerações de profissionais bacharéis. Os cursos de tecnologia vieram depois, assim como os de nível técnico. Conectados todos hoje nessa nova realidade, escolas e associação podem estimular a formação profissional e trabalhar para difundir novos modelos de ensino, muito além da abordagem tecnicista que orientou a academia por muitos anos. Há muito a fazer.

Apresento, enfim, a segunda edição da nossa revista INTRAMUROS, uma preciosa contribuição para o nosso momento. Espero que seja estímulo à reflexão e ao crescimento!

E finalizo com Clarice, que hoje cisma em sussurrar nos meus ouvidos. Se algo queremos, não temos que esperar que alguém faça por nós. Cabe a cada um de nós, um quinhão. Assim ocuparemos o espaço que nos é devido e que deve ser construído por todos e por cada um.

Mãos à obra!

Atitude é uma coisa pequena que faz uma grande diferença.

Clarice Lispector

Nora Geoffroy
Presidente do Conselho Acadêmico
ABD – Associação Brasileira de Designers de Interiores