PREFÁCIO

Abrir a cabeça. Olhar para cima, para os lados, ver o céu, o mar, o concreto. Inspirar. Sentir o ar entrando em nossos pulmões, alcançando lugares insuspeitados. Expirar. Esvaziar o âmago do nosso ser de qualquer vestígio do pré-conceito. Viver um átimo de tempo de liberdade. A leveza do coração puro. Destemido. Franco.

E então perceber que o Design de Interiores está crescendo. E neste processo precisa alargar sua visão de mundo sem medo de limites, buscar parcerias em campos outros, descobrir novas abordagens e novos jeitos de encarar o desafio do projeto. Estudar cada vez mais compreender o usuário, foco de suas intervenções, e sua razão de viver. Jéthero Cardoso de Miranda[1] já sentenciou: “Pra ser designer é preciso gostar de gente”. E a gente gosta. Gosta tanto que vive à custa de caminhos para se aproximar, para ver além de enxergar, para interpretar e compreender o seu mundo, o seu ser, a sua atitude, o seu discurso…

Então, nessa edição da Revista Intramuros, o Conselho Acadêmico (CAc) da ABD ousou. Pôs a mão na massa e mostrou a cara, feliz por ampliar o escopo do Anuário, fazendo uso de tão bela oportunidade para divulgar novos olhares para os interioristas País afora e para brindar a nossa Associação com um presente pelos seus 40 anos recém completados.

Aguardem o nosso novo edital! Vamos fazer diferente nesses tempos de pandemia que nos coloca em xeque e nos põe em risco, que atiça nossas entranhas de desejo por um Brasil melhor, mais solidário, menos cruel. Usemos nosso recolhimento para compartilhar novas abordagens e novos caminhos, propiciando que, mais e mais, os designers estudem, fundamentem suas intervenções nos ambientes, marcando uma posição particular como profissional do espaço mais próximo ao usuário – reivindicada essa posição, cabeça erguida. Somos mesmo!

No nosso primeiro artigo, Sueli Garcia nos brinda com seus caminhos em torno da Fenomenologia, com o objetivo de verificar pontos de conexão entre usuários e seus espaços e deles fazer uso no projeto, suscitando diferentes experiências sensoriais, que são vividas na intersubjetividade dos ocupantes. Toda investigação fenomenológica se pauta na fragilidade da compreensão do fenômeno em tela. Este ponto é o primeiro a evidenciar a sutileza da ação do designer de interiores, que deve se basear no pressuposto de que certezas são voláteis. O rumo se apoia na incerteza e na impermanência dos fenômenos.

Em seguida, Débora Vital faz uso da Semiótica de Peirce[2], aplicando suas tricotomias e sua tabela de divisão dos signos aos espaços interiores, resultando em uma abordagem que confere ao profissional uma metodologia que o auxilia na expressão e na linguagem usada no projeto. Uma outra forma de orientar nossas decisões, que há muito tempo estão fugindo de aspectos como bom-gosto, tendências da moda, comunicação de status – que reduzem a possibilidade de argumentação legítima no projeto de interiores. Esta argumentação é que é o cerne que funda o valor do nosso papel em nossa atuação nos espaços de vida.

No terceiro artigo, tenho a oportunidade de questionar a propriedade da recorrente frase ouvida por aí: “O designer é também um psicólogo!”, de modo algum querendo recusar as contribuições da disciplina para o design de Interiores, mas evidenciando o caráter complexo da Psicologia Ambiental, em que o sistema usuário-ambiente é visto como uma unidade, cuja compreensão é singular, particular e de difícil interpretação. A abordagem, que questiona de modo taxativo a visão tecnicista e mecanicista das relações ser humano-espaço, ilumina o caminho do valor e da responsabilidade do profissional, eliminando certezas e reforçando o seu papel como um dos agentes de qualidade de vida. Não sem sensibilidade e sem esforço de compreensão. É preciso estudar. Estudar mais.

No artigo subsequente, Neandro Nascimento traz algo novo: a possibilidade de uso da Análise do Discurso como ferramenta de inserção no mundo do cliente. Com base de que todo discurso é uma construção social, seja ele verbal ou não verbal, busca-se, nas entrevistas iniciais de projeto e nos recorrentes contatos com o futuro usuário do espaço, seja ele indivíduo ou grupo, alcançar o dito e o não dito, entreouvido nas entrelinhas do que se escuta. Mais uma bela ferramenta!

E, finalmente, a revista se encerra com o artigo de Marjorie Gubert, que se apropria dos fatores ligados às visualidades de nossa época pandêmica, para falar de padrões e de padronagens que comunicam e ampliam a possibilidade de elaboração de sensações de apropriação, pertencimento e identificação com os espaços, aspectos básicos que devem reger nossos projetos, pois se usuários e ambientes produzem em si uma relação de efeitos biunívocos, como buscar maiores possibilidades de interação, assimilação e até simbiose?

Queridos leitores, desejo que aproveitem ao máximo a nossa revista. Que ela plante sementes e frutifique, fornecendo espécies que floresçam e propiciem aquela luz filtrada que se vivencia sob as árvores no verão. Sim, nessa estação tropical e nesse momento pandêmico de ampla reflexão precisamos de ambos: da sombra que nos protege do excesso que queima e nos torna cegos, e da luz filtrada, sutil, bem-vinda, que ilumina e abre nossa mente para novas ideias.

Saibam que será uma honra receber um feedback de nossos leitores… Estamos trilhando um caminho que interessa? Entrem em contato!

Uma excelente leitura!

Nora Geoffroy

academico@abd.org.br

1 Jéthero Cardoso de Miranda é um amigo querido, professor e parceiro de lutas antigas pelo Design de Interiores e Conselheiro da ABD.
2 Charles Sanders Peirce é um dos pais da Semiótica.