Profa. Me. Débora Pereira Vital
A prática do designer de interiores é relacionada, para a maioria dos casos de atuação, a qualidades visuais e funcionais. Este profissional é responsável por estabelecer uma conexão entre os dados técnicos, conceituais e usuais que envolvem os espaços de intervenção e a prática de projetar. Dessa forma, algumas etapas da concepção do projeto envolvem processos por vezes subjetivos que resultam em propostas específicas e adequadas ao cliente do projeto. A semiótica apresenta modelos e estratégias de análise que estabelece relação com a mensagem e seus possíveis significados que são condicionados a uma interpretação individual e específica. Entendendo, portanto, que estes resultados dos processos são particulares o objetivo deste trabalho é entender como a Semiótica e seus processos podem estar relacionados aos métodos projetuais do designer de interiores contribuindo para a melhoria dos resultados das propostas. Para tanto o trabalho apresenta uma breve abordagem sobre a Semiótica de Charles Peirce, versa sobre as etapas de projetos de interiores e por fim apresenta uma análise das fases e as tricotomias peirceanas a partir da investigação de dois casos em nível de Estudo Preliminar de projeto. Concluiu-se por fim, que é possível aplicar as tricotomias em paralelo ao desenvolvimento das fases iniciais do projeto, contribuindo para soluções específicas, adequadas e justificadas dos itens do estudo preliminar do projeto de interiores.
Palavras chaves: Tricotomias de Peirce, Design de Interiores, Estudo Preliminar.
The interior designer’s practice is related, for most of the acting cases, to visual and functional qualities. This professional is responsible for establishing a connection between the technical, conceptual and usual data that involve the intervention spaces and the practice of designing. Thus, some stages of the project design involve processes that are sometimes subjective, resulting in specific and appropriate proposals for the project’s client. Semiotics presents models and analysis strategies that establish a relationship with the message and its possible meanings that are conditioned to an individual and specific interpretation. Understanding, therefore, that these process results are particular, the objective of this work is to understand how Semiotics and its processes can be related to the design methods of the interior designer contributing to the improvement of the results of the proposals. For this purpose, the work presents a brief approach on Charles Peirce’s Semiotics, deals with the stages of interior design and finally presents an analysis of the phases and the Peircean trichotomies based on the investigation of two cases at the level of the Preliminary Study project. Finally, it was concluded that it is possible to apply trichotomies in parallel to the development of the initial phases of the project, contributing to specific, adequate and justified solutions of the items of the preliminary study of the interior design.
Keywords: Peirce’s Trichotomies, Interior Design, Preliminary Study.
A tradução da palavra casa em inglês é house, em chinês é 房屋, em holandês huis, em tailandês บ้าน. Em cada língua o termo casa terá uma pronúncia distinta e caracteres definidos, cuja compreensão será comum a determinado país, comunidade ou grupo. Segundo FIDALGO e GRADIM (2005) algumas palavras verbalizadas em determinado tempo e espaço podem ser consideradas palavras-chave cujo sentido pode estabelecer um código de entendimento significativo para ocasião.
Em seu livro intitulado Manual da Semiótica, FIDALGO e GRADIM (2005) iniciam o primeiro capítulo com uma distinção entre os termos sinais e signos. No primeiro momento eles tentam esclarecer sobre a palavra sinais apontando suas diferentes abordagens em termos da língua portuguesa e em conclusão afirmam:
Feita a análise dos sinais chamados sinais, diferentes entre si, verifica-se que o que há de comum a todos eles é o serem coisas (objectos, gestos, acções) em função de outras coisas, que representam ou caracterizam. Não pode haver sinais sem um “de” à frente; ao serem sinais são sempre sinais de algo. (FIDALGO e GRADIM, 2005, p.12)
Relacionando, portanto, a palavra casa ao entendimento dos autores acima citados, podemos afirmar que a mesma análise pode acontecer para o termo casa em português, em inglês, em chinês, em holandês ou em tailandês. O vocábulo pode apresentar distintas relações e estabelecer diferentes códigos de compreensão para seus dominadores. Esta análise e investigação sobre línguas e seus termos é o objeto de estudo ao qual a ciência da semiologia se debruça.
Apesar da Semiologia e Semiótica serem as ciências que estudam significados das coisas, ambas apresentam métodos que as distinguem. Sendo a Semiótica, aquela definida por Charles Sanders Peirce, a que estuda os processos de interpretação do signo por meio do seu entendimento enquanto: signo, objeto e interpretante, e que, portanto, nos possibilita uma análise sobre interpretações possíveis e subjetivas, tais quais como as adotadas por designers de interiores eu seu processo de concepção projetual.
A semiótica dentro do campo da comunicação, assim como na esfera artística, terá relação direta sobre o entendimento do signo. Este, ainda segundo FIDALGO e GRADIM (2005) tem se apresentado como vastíssimo pois sua análise estará condicionada a sua abordagem, seja para psicologia, engenharias, sociologia. Por essa afirmação faz-se necessário considerarmos a prática do designer de interiores.
Segundo os estudos em comunicação existem duas formas de compreender, uma que a entende como fluxo de informação, e refere-se à escola processual da comunicação, e a outra a entende como produção e troca do sentido, pelo qual permeia a escola semiótica. Para o caráter de produção e troca é que se pretende, neste trabalho, analisar a comunicação e estabelecer sua possível relação com a prática do designer de interiores.
O modelo da semiótica para a comunicação, portanto refere-se aquele que considera a criação de mensagens mediante seus possíveis significados. Em virtude da complexidade este modelo não pode ser considerado linear. O que significa que o procedimento e o conteúdo interpretante estarão condicionados a distintos fatores e, portanto, podemos o considerar, enquanto análise e interpretação, como processo subjetivo.
Conteúdo e processo condicionam-se reciprocamente, pelo que o estudo da comunicação passa pelo estudo das relações sígnicas, dos signos utilizados, dos códigos em vigor, das culturas em que os signos se criam, vivem e actuam. (FIDALGO e GRADIM, 2005, p.19)
Dessa forma, o presente artigo pretende entender como a Semiótica e seus processos podem conectar-se aos métodos criativos e técnicos da prática do designer de interiores e contribuir na melhoria das propostas de projeto adequadas e específicas aos clientes. Para tanto, a investigação visa compreender os métodos e teorias que regem a Semiótica, estabelecer sua relação com o processo projetual do design de interiores, e demonstrar essa relação a partir da análise de estudos de casos.
Estes estudos foram apresentados por meio de dois resultados da disciplina de Projeto de Interiores Residenciais em 2020 como forma de apontar possibilidades de aplicação da Semiótica, mesmo que de forma intuitiva e por fim, ponderar sobre o possível aproveitamento em processos projetuais.
O campo do design de interiores permeia muitas instâncias que caracterizam a área como multidisciplinar. Os seus processos estão relacionados com outras extensões também multifacetadas. Nesse sentido cursos de formação em diversos campos, assim como acontece com o design, adotaram em seus processos formativos a intervenção de distintas teorias por vezes desassociadas, mas que podem contribuir mutuamente.
Podemos considerar que o design pode absorver entre os mais variados aspectos e áreas pelo qual comunica, reflete e condiciona, aquela que se refere ao estudo do signo ponderando sobre suas linguagens verbais e não verbais. O design por vezes estará associado ao estímulo de sentidos e o designer de interiores poderá reunir, à espacialidade foco da sua atuação, essa percepção sobre o sensível.
Desirée Paschoal de Melo e Venise Paschoal de Melo em seu “Uma introdução à semiótica Peirceana”, citando Martine Joly, (2015) revelam que o signo pode ser entendido e compreendido por mais de um sentido e em sua particularidade ele pode estar presente no momento do contato e designar ou estabelecer significado com outra coisa ausente, concreta ou abstrata, subjetivas e correlacionadas a lembranças e experiências individuais.
Richard Perassi Luis de Sousa apud MELO, MELO (2015), explica como a partir dos sentidos a linguagem estabelece sua relação com o signo.
Dessa forma, as linguagens se estabelecem pela relação de dois conjuntos complementares: o conjunto de signos percebidos ou elementos expressivos que agrupam as coisas, e o conjunto composto por lembranças associadas ao primeiro conjunto. Em outras palavras, a linguagem se estabelece pela associação entre as coisas que são percebidas, e as lembranças de sensações, sentimentos e ideias suscitadas por essa percepção (SOUSA, 2004, p.01-03, apud MELO, MELO, 2015, p. 18).
Entende-se precocemente que o campo das artes, considerando todas as suas modalidades como um todo, estabelece ou precisa ponderar a relação da linguagem dos signos bem como compreendendo o design de interiores incluído nessa categoria, faz-se necessário neste trabalho, revisar os princípios da Semiótica e a sua relação com o entendimento sobre signo. Para tanto, estabelecemos aqui a leitura que Charles Sanders Peirce estabelece para este.
De acordo com Peirce, o signo é aquilo que representa, em determinado sentido, algo para alguém. Estabelecendo o contato com o “aquilo” o indivíduo estabelecerá uma relação mental, ou de semiose, com algo já conhecido. A ideia formada por esse contato é o que Peirce considera como interpretante e a sua imagem seria o objeto que reflete a coisa representada, estabelecendo assim a relação triádica do signo.
A partir desta relação e de sua complexidade, a Semiótica pode ser dividida em três estudos, como o que afirma José Teixeira Coelho Netto em seu Semiótica, Informação e Comunicação:
Em virtude dessa relação triádica de signo, vale observar que a Semiótica pode dividir-se em três ramos. Caberia a uma gramática pura determinar o que deve ser verdadeiro quanto ao signo para que possa veicular um significado. O segundo ramo é a lógica propriamente dita, ou o estudo do que é verdadeiro em relação ao signo para que este possa aplicar-se a um objeto. Retórica pura é o terceiro ramo, cujo objetivo é estudar as leis pelas quais um signo dá origem a outro e um pensamento provoca outro. (COELHO NETTO, 1983, p.57)
Coelho Netto afirma ainda que Peirce estabeleceu para o seu completo entendimento, dez tricotomias e sessenta e seis classes de signos e se aprofunda em três destas tricotomias: ícone-índice-símbolo, que estabelece o entendimento do signo com relação ao objeto a partir de semelhança (ícone), determinação existencial (índice) ou convencionalidade (símbolo); a qualissigno-sinsigno-legissigno considera o signo e sua relação consigo mesmo e considera a qualidade (qualissigno), coisa ou evento existente (sinsigno), e convenção do signo (legissigno); já a rema-dicissigno-argumento considera o signo em relação ao interpretante estabelecendo uma possibilidade que pode ou não ser verificada (rema), uma existência real e concreta (dicente ou dicissigno), uma razão correspondente a juízo (argumento). (COELHO NETTO, 1983, p. 58-61)
As três tricotomias de Peirce estão reunidas em também três categorias correspondentes: primeiridade considera o nível do sensível e abrange ícone, qualissigno e rema; a secundidade diz respeito a experiência da coisa e compreende índice, sinsigno e dicissigno ou também chamado dicente; e a terceridade faz relação com a razão e envolve a leitura do signo como símbolo, legissigno e argumento. (COELHO NETTO, 1983, p.61) Esta abordagem de Peirce pode ser resumida o seguinte quadro:
A combinação entre as três tricotomias e sua reunião em categorias compõem a divisão dos signos a partir de classes distintas definidas por Peirce e confirmadas por Coelho Netto. São elas o qualissigno, sinsigno icônico, sinsigno indicial remático, sinsigno dicente, legissigno icônico, legissigno indicial remático, legissigno indicial dicente, legissigno simbólico remático, símbolo dicente e argumento. COELHO NETTO (1983, p. 62 e 63)
As classes definidas para o entendimento de signo, confirmam que um mesmo tipo pode apresentar-se por mais de uma tricotomia simultaneamente, ou seja, podem haver signos que se apresentam de forma mista considerando a tricotomia peirceana.
As relações entre tricotomias, categorias e classes resultaram em um segundo conceito para o signo. Este, segundo Coelho Netto (1983, p. 65) propõe que o signo determina seu interpretante e é determinado por seu objeto originando a ideia que é através do signo que o objeto cria o interpretante. Essa teorização sobre o entendimento do signo é complexa mas muito pertinente ao designer de interiores no sentido que as ideias projetuais são pensadas e precisam ser materializadas de modo a provocar as mesmas sensações estabelecidas hipoteticamente e mentalmente a medida que concebemos um projeto.
Considerando os itens aqui apresentados sobre semiótica, e respeitando a intenção do presente trabalho em estabelecer sua conexão com a prática projetual do designer de interiores, a seguir apresentaremos as fases que envolvem o processo de concepção do projeto de interiores a partir do que se confirma em diretrizes bem como sobre o que alguns autores versam sobre o tema.
Na ausência de uma norma que oriente sobre as etapas de projetos de design de interiores podemos considerar como norteadora a tabela produzida pelo Conselho Acadêmico da Associação Brasileira de Designers de Interiores em 2019 que aponta uma síntese do processo de projeto em 05 fases: Briefing, Estudo Preliminar, Anteprojeto, Projeto e Projeto Executivo.
De acordo com esta, a primeira fase do projeto de interiores refere-se ao Briefing cujo objetivo é entender o problema do projeto e compreende o levantamento de informações preliminares e o desenvolvimento do programa e dos conceitos do projeto. Com o briefing definido inicia-se a segunda fase. O Estudo Preliminar constitui a etapa de produção de produtos prévios do projeto de interiores envolvendo estudos iniciais de leiaute, de fluxos e usos, soluções técnicas e partidos de projeto e conta com a elaboração de produtos gráficos, também preliminares que podem facilitar o entendimento da proposta por parte do cliente.
A terceira etapa, definida pelo Cac, trata-se do Anteprojeto e envolve a produção técnica e gráfica do projeto de interiores destacando as soluções estéticas e funcionais adotadas a partir das condicionantes espaciais, conceituais e de aplicabilidade da proposta. Entre o Anteprojeto e a última fase, o Conselho Acadêmico define uma quarta fase, chamada de Projeto, cujo objetivo é compatibilizar o produto final da proposta e consultar ou confirmar o serviço envolvendo os projetos complementares quando for o caso.
A última fase do esquema traçado na tabela sugerida é o Projeto Executivo e tem por finalidade traçar e apontar as informações do detalhamento do projeto de interiores destacando e complementando os dados necessários à execução e materialização da proposta de interiores.
Semelhante às etapas apontadas pelo Cac, são as fases de projeto descritas por Jenny Gibbs no seu Design de Interiores: guia útil para estudantes e profissionais (2010). Gibbs, no entanto, afirma serem quatro as fases de projetos de interiores.
Um projeto de design de interiores possui quatro fases principais. Na primeira são realizadas a elaboração do programa de necessidades, a proposta de trabalho e a aprovação por parte do cliente. A segunda fase envolve a reunião de informações que servirão de base para as soluções de projeto e a apresentação do projeto ao cliente. Após a aprovação do cliente e a assinatura das plantas e desenhos, é desenvolvido o detalhamento do projeto na terceira fase, além de todas as revisões necessárias. A quarta fase é constituída pela execução da obra e, após sua finalização, a entrega formal ao cliente. (…) (GIBBS, 2010, p. 146)
Acredita-se que as fases descritas por Gibbs são como a maioria dos profissionais atuam e aplicam em seus escritórios sendo, portanto, estas as etapas de projeto consideradas para o aprofundamento deste trabalho. Iremos condensar aqui, a partir do que verificamos na Tabela de Honorários e como demonstrou Gibbs, que as etapas projetuais serão quatro.
A primeira estará definida como Estudo Preliminar e envolve a definição do Briefing, que contempla a descrição do perfil do cliente, conceito do projeto, diagnóstico da área, programa de necessidades e alguns estudos de viabilidade do projeto como esquemas de circulação, de fluxograma e setorização e esboços de layout e elevações gráficas, com elementos preliminares, para demonstrar a ideia. A segunda etapa será o Anteprojeto que envolve a elaboração de representações gráficas e especificações melhor elaboradas, desenvolvidas a partir da aprovação da fase anterior.
A terceira etapa trata-se do Projeto Executivo, que acontece após a aprovação do anteprojeto e refere-se ao detalhamento das informações necessárias para a execução do projeto. Estas abrangem tanto representações gráficas mais detalhadas quanto especificações mais completas. E por fim a quarta etapa que podemos definir como etapa de Execução da Obra, que Gibbs aponta como execução da obra e entrega do projeto que na prática envolve a definição de um planejamento da obra e um cronograma de execução para seus itens para que o processo ocorra de forma coerente e adequada.
Acredita-se que a etapa de Estudo Preliminar pelo formato e métodos aqui considerados, é a fase crucial para compreensão do cliente e suas necessidades. Primeiro porque reflete os primeiros contatos com o contratante, que por vezes pode ser um completo desconhecido e a aproximação sensível precisa acontecer para que o designer de interiores possa desenvolver um projeto adequado ao seu cliente. Depois porque diz sobre como essa compreensão do contratante foi assimilada pelo profissional e o que, e quais processos criativos, e de conhecimento científicos, o designer de interiores deverá realizar para acertar nesse projeto adequado e específico.
Dessa forma a análise a seguir estará concentrada na etapa de Estudo Preliminar do projeto de interiores e estará relacionando os processos da semiótica com os passos adotados na referida etapa de projeto e apresentará uma tentativa de descrevê-los sob produtos apresentados em disciplina curricular do curso de design de interiores.
Retomando o conteúdo da Semiótica apresentado anteriormente e relacionando a divisão de Peirce sobre o signo e a prática do designer de interiores, podemos afirmar que esta última engloba, ou enfatiza, todas as relações entre as três tricotomias aqui citadas. Quando o designer sintetiza o perfil do cliente através de um painel conceitual ou moodboard traduzindo pela personalidade do cliente, seguido da definição de um conceito que norteará o projeto e por fim define um programa de necessidade nesse processo ele pode está utilizando a tricotomia de ícone-índice-símbolo peirceana.
Já quando o designer tem como cliente um idoso, por exemplo, e estabelece que seu quarto terá cor neutra, aplicará a cor bege (qualidade) em uma cadeira (coisa existente) que foi escolhida sob as condições estabelecidas em norma para acessibilidade e conforto do idoso (convenção) ele estará atuando sob o efeito da tricotomia de qualissigno-sinsigno-legissigno.
E quando o designer definiu que a cadeira do exemplo anterior é a melhor opção para seu cliente que é idoso e justifica essa escolha reforçando sua qualidade de cor bege, pontuada e reforçada por sua neutralidade e que isso não implicará nenhum tipo de contraste compositivo ao ambiente, e portanto, não cansa visual ou funcionalmente durante seu uso contínuo e diário, ele está empregando nessa defesa a tricotomia rema-dicissigno-argumento.
Dessa forma podemos considerar que o designer de interiores, em sua prática, aplica a divisão dos signos peirceana em distintos itens do projeto, e que por vezes essa aplicação acontece de forma intuitiva. Acontece que podemos considerar essa divisão como forma de justificar esses processos para além das questões projetuais e relacioná-los a aspectos semióticos e valorizar de forma mais consistente e complexa os projetos.
Considerando essa analogia para o campo acadêmico, em área voltada ao ensino do projeto em design de interiores, os docentes podem estar adotando esse processo, paralelo às etapas de projeto e suas implicações. Dessa forma, e pensando nessa relação, é que apresentamos alguns exemplos e resultados de projetos desenvolvidos por discentes em disciplina acadêmica, e tentaremos no próximo item, definir esta afinidade com semiótica.
Os estudos apresentados neste item compuseram produtos apresentados por alunos do curso Superior de Tecnologia em Design de Interiores, matriculados na disciplina de Projeto de Interiores Residenciais situada no segundo período de um curso moldado para 4 períodos no seu total. Esta disciplina foi lecionada em 2020 por esta autora, no primeiro semestre, parte presencial e depois, em pandemia, de forma remota e no segundo semestre, ainda em curso, de forma totalmente remota.
É importante destacar que sua aplicação de forma presencial, no início de 2020 tinha um planejamento definido logo no início do semestre e que por conta da pandemia do COVID19 precisou ser remodelada e suas estratégias e atividades também sofreram reajustes. Dessa forma, quando da paralisação das aulas presenciais os alunos estavam começando as pesquisas iniciais do trabalho.
Para apresentar a análise sobre os dois estudos a seguir é importante descrever o enunciado do que foi solicitado como produto. Os alunos deveriam sortear um filme em uma lista de dez títulos e assisti-lo para definir um dos personagens, qualquer um deles, como cliente do projeto do semestre. Além do filme, eles também sortearam um, entre dez temas, para aplicar como conceito do projeto. Era uma das etapas posteriores do trabalho a construção do perfil do cliente e traçar desse perfil mais um conceito do projeto. Ao final, o projeto deveria envolver no mínimo dois conceitos norteadores para a proposta.
Para a primeira entrega, referente a avaliação da I Unidade, os alunos tinham que apresentar como primeiro item o Briefing que constava de diagnóstico da área, da descrição do perfil do cliente e definição do segundo conceito de projeto, elaboração de programa de necessidade e uma prospecção documental com referências à norma de acessibilidade para destaques de dimensionamento e medidas mínimas referente à circulação, alcance e permanência. Além do briefing eles precisavam desenvolver estudos de circulação e zoneamento montados a partir do programa de necessidade previamente definido e específico para cada cliente escolhido.
A aluna que desenvolveu a proposta desse primeiro estudo sorteou como filme Her dirigido por Spíke Jonte e lançado em 2014. A cliente desse estudo foi definida pela e personagem Catherine e como conceito sorteado ela selecionou o tema oriental e definiu para a cliente o conceito de oásis marroquino, traçado a partir do seguinte perfil:
Catherine, 30 anos, é escritora em turnê com seu novo livro, é caseira, mas adora viajar, de estar ambientes instigantes e contem histórias, contato com o sol e o vento – aprecia a sensação de liberdade e de “estar viva”, gosta sempre de receber os amigos. Analisando as necessidades da cliente, nota-se que deseja um espaço confortável, com uma paleta de cores quentes nos detalhes (marrom, vermelho, ocre), neutras (branco), um pouco intimista, que traga boas sensações, como de aconchego e lembranças dos seus momentos em casa. um ambiente ventilado e iluminado naturalmente durante o dia, sem grande necessidade de uso do ar-condicionado e da luz artificial. a cliente deseja um ambiente contemporâneo, com toques orientais que remetam a sua melhor viagem, ao Marrocos. (CÉSAR, 2020)
Nesse processo de absorver e tentar confirmar o perfil do cliente a aluna já aplicou a tricotomia da semiótica peirceana de rema-dicissigno-argumento. Estabelecendo uma leitura de forma respectiva: ela apresentou uma síntese sobre como a personagem se mostrou no filme e sobre sua personalidade, estabeleceu uma relação com Marrocos, considerando o desejo ou gosto do cliente em estabelecer novas conexões e viagens e estabeleceu um juízo argumentativo para relacionar o conceito estabelecido a partir do perfil do cliente com o tema selecionado no sorteio que é o oriental.
Em seguida, a partir de perfil e conceitos definidos, a aluna apresentou o programa de necessidades. A partir do que havia sido analisado em diagnóstico da área e aliado com os dados do cliente, foi estabelecido o seguinte programa:
Pavimento Térreo: cozinha: cozinha tipo americana com ilha; cooktop geladeira sidebyside; armários embutidos no balcão de pia e na ilha. sala de estar: sofá́ modulado; mesa de centro; móvel apoio para equipamentos; varanda: poltrona; mesa lateral. biblioteca/escritório: estante de livros; escrivaninha; cadeira tipo presidente. lavabo: bancada de pia; lava e seca roupas; ○ vaso sanitário com caixa acoplada.
Pavimento Superior (mezanino): suíte máster: cama tamanho Queen; duas mesas de cabeceira; duas poltronas. closet: dois armários para roupas e sapatos; ilha para acessórios; bancada tipo camarim. banheiro: bancada com 2 pias; vaso sanitário com caixa acoplada; banheira com hidromassagem; chuveiro tipo ducha. sala de descanso: espreguiçadeira; poltrona suspensa; jardim vertical. (CÉSAR, 2020)
Como pode-se perceber ela definiu um programa para a área térrea e definiu como seus principais ambientes a cozinha, sala de estar, varanda, escritório e lavabo. Já para o mezanino ela definiu como cômodos essenciais uma suíte e banheiro, closet e área de descanso.
Podemos considerar que ao realizar esse processo criativo e mental ela se utilizou da tricotomia de ícone-índice-símbolo. Quando analisamos o programa da cozinha ela define que a cozinha é “tipo americana”, pois a discente se utiliza desta nomenclatura\termo para referenciar a espacialidade das cozinhas sem divisão e equipamentos acessíveis e visíveis de outros cômodos. Aplica nesse processo o signo enquanto ícone através da lista de ambientes necessários e seu mobiliário e equipamentos e estabelece a semelhança e convencionalidade, ao mesmo tempo, e definidos pela tricotomia, índice e símbolo respectivamente, quando insere ou sugestiona a ilha de cocção como referência da cozinha tipo americana. Isso para falar sobre um item dessa etapa do projeto.
Para a etapa seguinte, a aluna tentou sintetizar as informações levantadas a partir da análise do cliente em moodboard. Este trata-se de uma estratégia de concepção inicial muito adotada pelos profissionais para tentar aproximar o cliente da ambiência visual que pensa para o espaço do cliente. Este é o moodboard apresentado:
Figura I: moodboard do Estudo 1
Como pode ser percebido o painel apresenta referências estéticas para o possível mobiliário a ser sugestionado ao cliente, apresenta menção a alguns revestimentos e possibilidades de texturas que deverão ser incluídas na proposta, assim como define uma paleta de cores com tons fortes e neutros. Estes elementos foram selecionados, segundo a aluna, considerando os conceitos para o projeto: oásis marroquino e oriente.
Para esta fase, ao estabelecer elementos visuais para a futura proposta de projeto, ela aplica parte da tricotomia de qualissigno-sinsigno-legissigno peirceana. Cores, texturas, acabamentos, são estratégias qualissignas, a definição sobre o parapeito utilizado em casas marroquinas pode ser considerada um sinsigno. Já para quanto ao legissigno não podemos afirmar, somente pelos itens do mood se a aluna contempla essa categoria, visto que a mesma não deixa claro que algum dos elementos foi pensado enquanto convenção.
Assim como no estudo apresentaremos aqui a análise sobre os mesmos itens do estudo preliminar. Este segundo estudo se baseou no filme intitulado A Origem, dirigido por Christopher Nolan e que foi lançado em 2010. Após assistir ao filme, a aluna escolheu como cliente para desenvolver o projeto da disciplina a personagem Ariadne. Como temática sorteada a aluna teve que trabalhar a estética escandinava e posteriormente, após a definição do perfil do cliente ela escolheu o tema refúgio, que inclusive nomeou o Loft.
Ariadne é uma jovem independente, destemida e um pouco individualista. Recém-formada em Arquitetura em Paris, onde viveu grande parte de sua adolescência com seu pai. No tempo em que esteve morando na França ela acabou adotando o estilo de vida minimalista. Ariadne é uma pessoa simples que gosta de estar conectada com tudo ao seu redor, ciclista e ecológica, aprecia a Arte, Literatura, e uma boa música. E sendo assim, procura um refúgio tranquilo. (…) (SANTOS, 2020)
Como foi possível perceber, a personagem mostrou-se de forma mais introspectiva à aluna. A leitura da personalidade dela pode ser distinta para outra pessoa que assistiu ao filme em questão. A definição da personalidade de sua cliente foi aplicada pelo processo de rema, com apresentação da interpretação realizada pela aluna. Ao definir refúgio como o segundo conceito de projeto ela faz uma relação com a intelectualidade apresentada pela personagem (condição real) e argumenta que sua personalidade busca isso.
Partindo para a elaboração do programa de necessidades a aluna apresenta os seguintes itens como essenciais ao projeto do Loft Refúgio para Ariadne:
Hall de entrada– Chapeleira de painel de madeira ripada, onde terá um banco que é também uma sapateira, será́ um espaço onde a cliente poderá́ guardar não só́ seus sapatos e bolsas, como também o capacete e acessórios da bicicleta. Sala – (integrada com a sacada, cozinha e home office/Closet) – Um pequeno espaço para guardar os discos de vinil, com sofá́ cama e TV; Home office – Terá um painel de ripas de madeira fazendo essa divisão com a sala. Sacada – Um espaço para tomar café da manhã, com uma pequena mesa e duas cadeiras, um outro espaço com uma poltrona suspensa que irá fazer uma ligação com a sala, uma mini hortinha e jarros com plantas. Cozinha/Área de serviço – Um grande balcão que irá ligar a cozinha com a lavanderia.
Quarto no mezanino – Cama tamanho king e uma cabeceira com nichos embutidos para guardar livros. Banheiro – Com uma cara de Lavabo, e ao mesmo tempo um mini Spa, onde haverá uma banheira ofurô e o box até o teto. (SANTOS, 2020)
Para esse estudo, também a aluna inclui uma pequena área de mezanino, sugestionando dois pisos ao projeto e definindo ambientes do programa de necessidades para cada um deles. Quarto e closet deveriam ficar no mezanino, enquanto os outros cômodos, no pavimento térreo.
Ao definir para o banheiro uma área para um “mini SPA”, a aluna toma ambientes de SPA, que são tido como espaços comerciais e que na sua maioria envolve diversos ambientes direcionados ao tratamento estética e de relaxamento, e sugestiona uma “mini” área no banheiro residencial da sua cliente, adotando aqui o signo enquanto ícone. Quanto ao índice, a aluna determina uma sacada e referencia esse ambiente para tomar café de manhã. Esse espaço vai ser locado com equipamentos e mobiliários que auxiliem essa ação, já condicionando e aderindo sintomas para esse momento (índice). Ao definir a mesa e cadeiras necessárias à sacada poderemos afirmar que esses elementos seriam seus símbolos.
Assim como no estudo anterior para a cliente Ariadne foi elaborado um moodboard que tenta sintetizar a possível qualidade estética e relacionada a personalidade e conceitos de refúgio e escandinavo a futura proposta.
Analisando o painel do moodboard do segundo estudo o mesmo traz imagens referências de mobiliário, aspectos de textura e revestimentos e nuances de paleta de cores, que foram selecionados respeitando os conceitos definidos para o projeto: escandinavo e refúgio.
Nessa etapa do trabalho quando a aluna define cores, texturas e acabamentos, ela trabalha com aspectos de qualissignos, fazendo menção a semiótica peirceana, quando adota tons neutros associados ao mobiliário com uma textura que remete a confecção manual, como tramas ela faz associação do projeto ao estilo escandinavo, e portanto aplica a estratégia de sinsigno(evento existente) e legissigno(convenção do signo) visto que essa estética é reconhecida e associada a projetos em estilo escandinavo.
Após a análise sobre esses estudos de casos é possível concluir que os itens aqui expostos, relacionando-os com a tricotomia peirceana trata-se de uma análise individual sobre os resultados apresentados nos estudos em questão, e tomando como referência os vieses apontados em cada análise. Outros estudos poderiam avançar ou focar em outros itens e pontuar uma aplicação das três tricotomias de Peirce sob outro viés.
Como fechamento do presente trabalho podemos concluir que de fato o processo projetual, mesmo que respeitando as nuances técnicas que envolvem as questões do projeto de interiores, também expressa questões conceituais que acontecem e se estabelecem de forma subjetiva. O projeto desenvolvido por um designer de interiores para uma sala de estar do cliente x, será diferente do projeto concebido por outro profissional, mesmo que para o mesmo cliente.
Dessa forma, o processo de escolha e síntese do projeto, assim como deve respeitar as especificidades do cliente também estabelece uma conexão de individualidade e processo seletivo que se estabelece no íntimo do próprio profissional. Essa relação ou processo pode acontecer por distintos mecanismos.
O objetivo deste trabalho é destacar que esses processos de projeto podem estar relacionados as tricotomias da semiótica de Peirce, sejam através das tricotomias, como as três pontuadas neste trabalho, sejam através de suas categorias correspondentes (primeiridade, secundidade, terceridade) ou ainda sob a análise através de suas classes (qualissigno-sinsigno-icônico, sinsigno-indicial-remático, sinsigno-dicente, legissigno-icônico, legissigno-indicial-remático, legissigno-indicial-dicente, legissigno-simbólico-remático, símbolo-dicente-argumento).
Esse olhar ou processo relacionado às etapas de projeto podem confirmar as decisões do designer de interiores ao estabelecer sua relação conceitual do projeto ao passo que pode potencializar a justificativa de suas escolhas. Ao estabelecer o passo a passo do projeto, com reflexo na semiótica peirceana o profissional pode aprofundar mais a investigação do projeto, estabelecer uma relação mais individualizada entre cliente e escolhas de projeto e portanto apresentar um resultado final mais adequado àquele cliente e pautado na sua individualidade.
O que queremos dizer é que a Semiótica pode facilitar e possibilitar uma escolha mais acertada aos projetos de interiores, uma vez que envolvem aspectos subjetivos mas que também oferece um guia de orientação e sequencialidade aos processos criativos e de seleção estabelecidos pela prática profissional do designer.
1 Conselho Acadêmico da Associação Brasileira de Designers de Interiores
FIDALGO, António.; GRADIM, Anabela. Manual da Semiótica. Portugal: UBI, 2004-2005.
MELO, Desirée Paschoal.; MELO, Venise Paschoal de. Uma Introdução a Semiótica Peirciana. Paraná: Unicentro, 2015;
NETTO, José Texeira Coelho. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1983.
GIBBS, Jenny. Design de Interiores: Guia útil para estudantes e profissionais. São Paulo: Editora Gustavo Gili Ltda, 2010.
CESAR, Adara Lima. Memorial Descritivo do projeto de interiores. 2020. Trabalho acadêmico (disciplina de Projeto de Interiores Residenciais) – Centro Universitário Tiradentes, Maceió, 2020.
SANTOS, Hanyelle Ohane Lima. Memorial Descritivo do projeto de interiores. 2020. Trabalho acadêmico (disciplina de Projeto de Interiores Residenciais) – Centro Universitário Tiradentes, Maceió, 2020.
Técnica em Edificações, Tecnóloga em Design de Interiores, Mestre em Arquitetura e Urbanismo e docente dos cursos de Tecnologia em Design de Interiores e de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Tiradentes em Alagoas onde leciona disciplinas relacionadas a Projetos de Interiores. É Conselheira do CAc – ABD.
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